segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Extractos do discurso do presidente boliviano na reunião de chefes de Estado da União Europeia

                                 
                                           
185.000 quilos de ouro e 16 milhões de quilos de prata, primeiro empréstimo da América à Europa

O facto de Evo Morales ter sido impedido de sobrevoar países europeus lançou uma cortina de humo sobre o discurso que pronunciou na reunião de chefes de Estado, que foi o objecto da sua viagem. Para perplexidade dos seus anfitriões, a intervenção situa nos seus verdadeiros termos, com implacável e irónica argumentação, as relações entre a Europa e a Indoamérica.


Exposição do presidente boliviano na reunião de chefes de Estado da Comunidade Europeia (30-VI-13). Com linguagem simples, que era transmitida em tradução simultânea a mais de uma centena de chefes de Estado e outros dignatários, o presidente Evo Morales conseguiu inquietar a sua audiência quando disse:

“Aqui pois eu, Evo Morales, vim encontrar os que celebram o encontro.
“Aqui pois eu, descendente dos que povoaram a América há 40 mil anos, vim encontrar os que a encontraram há apenas 500 anos.
“Aqui pois, nos encontramos todos. Sabemos o que somos, e é suficiente.
“Nunca teremos outra coisa.
“O irmão aduaneiro europeu pede-me papel escrito com visto para poder descobrir os que me descobriram. O irmão usurário europeu pede-me o pagamento de uma dívida contraída por Judas, a quem nunca autorizei a vender-me.

“O irmão legiferador europeu explica-me que toda a dívida se paga com juros ainda que seja vendendo seres humanos e países inteiros sem lhes pedir consentimento.

“Eu vou-os descobrindo. Também eu posso reclamar pagamentos e também posso reclamar juros. Consta no Arquivo de Índias, papel sobre papel, recibo sobre recibo e assinatura sobre assinatura, que somente entre o ano 1503 e 1660 chegaram a San Lucas de Barrameda 185 mil quilos de ouro e 16 milhões de quilos de prata provenientes de América.

“¿Saque? ¡Não o poderia acreditar! Porque seria pensar que os irmãos cristãos faltaram ao seu sétimo mandamento. ¿Espoliação? ¡ Tanatzin me guarde de supor que os europeus, como Caim, matam e negam o sangue do seu irmão!

“¿Genocídio? Isso seria dar crédito aos caluniadores, como Bartolomé de las Casas, que qualificam o encontro como de destruição das Índias, ou a exagerados como Arturo Uslar Pietri, que afirma que o arranque do capitalismo e a actual civilização europeia se devem à inundação de metais preciosos.
“¡Não! Esses 185 mil quilos de ouro e 16 milhões de quilos de prata devem ser considerados como o primeiro de muitos outros empréstimos amigáveis de América, destinados ao desenvolvimento da Europa. O contrário seria presumir a existência de crimes de guerra, o que daria direito não apenas a exigir a devolução imediata, mas também a indemnização por perdas e danos.

“Eu, Evo Morales, prefiro pensar na menos ofensiva destas hipóteses.

“Tão fabulosa exportação de capitais não foi mais do que o início de um plano Marshalltesuma, para garantir a reconstrução da bárbara Europa, arruinada pelas suas deploráveis guerras contra os cultos muçulmanos, criadores da álgebra, da poligamia, do banho quotidiano e de outros triunfos superiores da civilização.

“Por isso, ao celebrar o Quinto Centenário do Empréstimo, poderemos perguntar-nos: ¿Fizeram os irmãos europeus um uso racional, responsável ou pelo menos produtivo dos fundos tão generosamente adiantados pelo Fundo Indoamericano Internacional? Lamentamos dizer que não.

“No aspecto estratégico, dilapidaram-no nas batalhas de Lepanto, em armadas invencíveis, em terceiros reichs e outras formas de extermínio mútuo, sem outro destino do que terminar ocupados pelas tropas gringas da OTAN, como em Panamá, mas sem canal.

“No aspecto financeiro, foram incapazes, após uma moratória de 500 anos, tanto de cancelar o capital e os seus juros, quanto de se tornar independentes das rendas líquidas, das matérias-primas e da energia barata que lhes exporta e proporciona todo o terceiro mundo.

“Este deplorável quadro corrobora a afirmação de Milton Friedman segundo a qual uma economia subsidiada jamais poderá funcionar e obriga-nos a reclamar-lhes, para seu próprio bem, o pagamento do capital e dos juros que tão generosamente temos demorado todos estes séculos a cobrar.
“Ao dizer esto, esclarecemos que não nos rebaixaremos a cobrar aos nossos irmãos europeus as vis e sanguinárias taxas de 20 e até de 30 por cento de juro, que os irmãos europeus cobram aos povos do terceiro mundo. Limitar-nos-emos a exigir a devolução dos metais preciosos adiantados, mais o módico juro fixo de 10 por cento, acumulado apenas durante os últimos 300 anos, com 200 anos de perdão.

“Sobre esta base, e aplicando a fórmula europeia de juro composto, informamos os descobridores que nos devem, como primeiro pagamento da sua dívida, uma massa de 185 mil quilos de ouro e 16 milhões de prata, ambos os números elevados à potência de 300.

“Quer dizer, um número para cuja expressão total seriam necessários mais de 300 algarismos, e que supera amplamente o peso total do planeta Terra.
“Muito pesadas são essas moles de ouro e prata. ¿Quanto pesariam, calculadas em sangue?

“Aduzir que a Europa, em meio milénio, não conseguiu gerar riquezas suficientes para cancelar esse módico juro, seria o mesmo que admitir o seu absoluto fracasso financeiro e/ou la demencial irracionalidade dos pressupostos do capitalismo.
“Tais questões metafísicas, desde logo, não nos inquietam a nós, indoamericanos.

“Mas exigimos, isso sim, a assinatura de uma Carta de Intenções que discipline os povos devedores do Velho Continente, e que os obrigue a cumprir o seu compromisso mediante uma pronta privatização ou reconversão da Europa que lhes permita entregar-no-la inteira, como primeiro pagamento da dívida histórica”.

Com (odiario.info)

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