Depois da verborragia dos governantes europeus que fizeram coro contra o sistema de vigilância americano contra países amigos, o silêncio evidencia apenas uma pergunta: que país, entre aliados e nem tanto aliados dos Estados Unidos, está realmente disposto a desafiar a nação mais poderosa do mundo e conceder asilo a Edward Snowden?
Elizabeth Carvalho, de Berlim/Carta Maior
Dia 1º de julho, depois do vendaval das revelações publicadas na revista alemã Der Spiegel, foi o dia da indignação; dia 2 foi o dia do temor, a hora de encarar a realidade dos fatos. Depois da verborragia dos governantes europeus que fizeram coro contra o sistema de vigilância americano contra países amigos, o silêncio evidencia apenas uma pergunta: que país, entre aliados e nem tanto aliados dos Estados Unidos, está realmente disposto a desafiar a nação mais poderosa do mundo e conceder asilo a Edward Snowden, o jovem que revelou ao mundo como cada um deles é severamente espionado a cada respiro de seus governos e de seus cidadãos?
Snowden é hoje um homem sem pátria, confinado no aeroporto de Moscou. Postou um depoimento no site do WikiLeaks, contando que pediu asilo a 21 países, entre eles a França, a Noruega, a Polônia, a Austria, a Finlandia, a Irlanda e a Alemanha, que ontem falou grosso a Obama: Chanceler Angela Merkel mandou dizer que o monitoramento de amigos é inaceitável e não vai ser tolerada. Mas agora todos dizem a mesma coisa: pedidos de asilo devem ser feitos dentro do território onde se pretende asilar, e assim vão fechando suas portas.
Snowden ficaria na Rússia, se o Secretário de Estado americano John Kerry não tivesse explicitado ao seu colega russo as implicações dessa decisão. O presidente Wladimir Putin disse que daria o asilo, desde que o rapaz abandonasse o que chamou de “atividades antiamericanas”. Snowden não quer ficar. E até agora, não tem para onde ir.
Na Alemanha, o partido Verde saiu na frente na defesa do asilo a Snowden, seguido pelo Die Linke e pelo SPD. O líder do partido, Jurgen Trittin, se referiu ao ex-agente da SNA como alguém que deveria ser protegido porque serviu aos europeus e à causa democrática, tornando pública a massiva violação dos direitos humanos da humanidade pelo serviço secreto americano.
A sociedade alemã tem uma relação historicamente traumática com violentos processos de espionagem. O regime nazista tinha absoluto controle sobre a vida de seus cidadãos. A condição de nação derrotada e ocupada depois da Segunda Guerra Mundial oficializou a espionagem como direito incontestável da OTAN. E seus museus ainda exibem a monumental coleta de dados da STASI, o serviço secreto da antiga RDA, que acumulava informações inúteis sobre a rotina de vida de cada alemão do Leste.
Para uma parcela considerável desta sociedade, é na Alemanha que Snowden deve aportar. Acredita-se mesmo que este seria o “pulo do gato” de Angela Merkel: acolher um jovem que em última instância lhe prestou um favor, porque oferece a ela a chance de provar ao mundo a emancipação da tutela americana. Uma chance inédita de colar em sua campanha eleitoral a imagem de uma líder poderosa e astuta.
Mas tudo não passa de mera conjectura. As consequências das revelações de Snowden para as relações norte-atlânticas, sempre tào íntimas, continuam imprevisíveis. Será tudo apenas indignação e orgulho ferido? Estarão os europeus realmente prontos para colocar em ponto morto o tratado bilateral de livre comércio que os Estados Unidos desejam para combater a força emergente da China? Der Tagespiegel, o jornalão do mainstream alemão, pergunta em seu editorial de hoje se os Estados Unidos podem ser considerados uma democracia. Pouco importa. A realidade dos fatos é que o mundo continua de joelhos diante do poder americano, apesar da crença – mais desejo do que crença - de seu inexorável declínio.
O único país que acenou imediatamente com a possibilidade de asilo foi a Venezuela. Em visita a Moscou, o presidente Nicolas Maduro usou palavras enaltecedoras para descrever o homem que prestou um serviço para a humanidade e merece a proteção do mundo. Se Maduro fala sério e não cede às pressões terríveis por que deve estar passando, estaremos diante de um pequeníssimo, mas importante, deslocamento da placa tectônica da geopolítica mundial do século XXI.
(*) Elizabeth Carvalho é jornalista correspondente em Berlim.
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