Henrique Júdice [*]
Escrevo entre o impulso ditado pela emoção e a dificuldade derivada da mesma fonte para alinhar as ideias. Não pretendo redigir uma resenha biográfica nem um balanço político dos 14 anos de poder de Hugo Rafael Chávez Frías, mas tão-só um registro de gratidão e reconhecimento.
Tendo me formado politicamente em meio ao refluxo da esquerda latino-americana nos anos 1990, acompanhei com simpatia e com uma cautelosa esperança sua primeira candidatura presidencial, em 1998. Aquele decênio havia sido pródigo em frustrações para o continente, inclusive sob a forma de líderes que chegavam ao poder prometendo enfrentar o Consenso de Washington e no dia seguinte curvavam-se a ele. Chávez, como logo ficou claro, era vinho de outra pipa.
Sabemos que os tempos históricos nem sempre guardam com os cronológicos coincidência precisa. No caso de Chávez, porém, o hiato foi pequeno: sua chegada ao poder, em 1999, foi, para a América Latina, o início do fim da década de 90 do século XX. O fim definitivo dar-se-ia em 2005, em Mar del Plata, na Argentina, quando, ao lado de Néstor Kirchner, liderou o bloco sul-americano que enterrou a proposta da Área de Livre Comércio das Américas (Alca).
Entre uma coisa e outra, houve o golpe de Estado de 2002 e sua reversão, inédita na história do continente. Naquela época, eu passava por uma situação pessoal muito difícil e a notícia, quase inacreditável, da vitória popular e do resgate do presidente da prisão na ilha de La Orchilla me devolveram o gosto pela vida.
Chávez, um militar que chegou e se manteve no poder pela via institucional, provou ali sua coragem física, sua fibra em momentos decisivos e sua capacidade para enfrentar a oligarquia e o imperialismo também no terreno para o qual formara-se originalmente. Era quase como se Allende revivesse e derrotasse as forças que atacavam La Moneda em 1973.
Sob a condução do Comandante Chávez, a Venezuela foi, nesses 14 anos, o ponto de Arquimedes da resistência ao imperialismo e da integração latino-americana. Mais que colocar a renda do petróleo e a geopolítica a serviço desses objetivos, ele desatou uma revalorização cultural, subjetiva, da identidade continental. E em que pese alguns recuos na questão colombiana impostos pela famigerada razão de Estado, apoiou todas as lutas populares em curso no continente. Os brasileiros recordaremos sempre seu gesto de estender aos trabalhadores que haviam tomado o controle da Flaskô e da Cipla a mão que o governo daqui, do qual era aliado, lhes negava.
Neruda escreveu um poema chamado Un canto para Bolívar que eu vim a conhecer por causa de Chávez, que gostava de citá-lo. "És ou não és quem és?" ?– pergunta o poeta chileno ao Libertador ao encontrá-lo na Madri dos anos 30. "Desperto a cada cem anos, quando desperta o povo", responde o venerável espectro. A Venezuela, a América Latina e o mundo perderam hoje um personagem histórico da mesma dimensão de Bolívar, San Martín, Artigas, Martí, Allende, Che Guevara e Fidel Castro. E isto, ao contrário do que pode parecer, não é um preito, mas uma análise histórica objetiva que, em algumas décadas, será confirmada.
Muchas gracias, Comandante Chávez! Y hasta siempre!
06/Março/2013
[*] Jornalista, brasileiro.
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
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