Artigo sobre decisão do Senado em reconhecer
Dandara dos Palmares e Luiza Mahin como Heroínas
Maysa Mathias Alves Pereira
O Sankofa, Adinkra nacional de Gana, nos rememora que nunca é tarde para voltar e apanhar aquilo que ficou para trás e que sempre podemos retificar os nossos erros. Esse ideograma é o pássaro que vira a cabeça para trás e nos afirma a sabedoria de aprender com o passado para construir o presente e o futuro.
Neste processo de olhar para trás que o Senado reconhece Dandara dos Palmares e Luiza Mahin como Heroínas da Pátria, incluindo seus nomes no livro de Heróis e Heroínas da Pátria. O chamado “livro de aço” homenageia as lutadoras e lutadores fundamentais para a construção da história brasileira ao lado de Maria Felipa, Maria Quitéria, Zumbi dos Palmares e Luis Gama, dentre outros.
Este momento histórico só foi possível através do Projeto de Lei da Câmara (PLC119/2018 e PLC 55/2017) de autoria do deputado federal Valmir Assunção (PT-BA) e da ex-deputada e atual secretária nacional de Política para Mulheres, Tia Eron, aprovado em 27 de março de 2019 pelo Senado.
É falácia alegar que os negros e negras aceitaram passivamente a escravidão. Pelo contrário, foi no período colonial brasileiro que Dandara dos Palmares, Guerreira Negra de Quilombo dos Palmares localizado na Serra da Barriga, resistiu e lutou contra à escravatura, através de embates e estratégias para a resistência e libertação do povo negro escravizado. Heroína Quilombola, Dandara foi esposa de Zumbi dos Palmares a qual tiveram 3 filhos, e juntos lutaram pelo fim da escravidão no Brasil.
Porém, com a invasão holandesa, os ataques ao território quilombola aumentaram, e como consequência de sua bravura Dandara foi presa. Ela se suicidou no dia 6 de fevereiro de 1694, se jogando de uma pedreira para não ser escravizada pelos homens brancos escravocratas. Para ela foi preferível a morte do que voltar para a senzala.
Seguindo as lutas contra a exploração e dominação do povo negro, Luisa Mahin, guerreira negra africana da Nação Nagô – Jeje, símbolo de combate à sociedade escravista, foi uma das líderes das maiores revoltas organizadas por escravizados no Brasil, o Levante dos Malês em 1835 e Sabinada em 1837. Mahin comprou sua alforria em 1812, e como mulher livre tornou-se quituteira e mãe do abolicionista Luís Gama.
Foi através dos tabuleiros de quitutes que as mensagens em árabe sobre a articulação dos levantes e revoltas que sacudiram a província da Bahia ao serem entregues aos outros lutadores da época. No entanto, surpreendidos pela polícia durante os levantes, o movimento foi derrotado e perseguido. Acredita-se que Luisa Mahin foi detida e deportada para a África, mas em outra versão da história, conseguiu fugir e foi para o Maranhão, onde sobre sua influência originou o Tambor de Crioula.
Sendo assim, “aprender com o passado, para construir o presente e o futuro” é reconhecer as marcas do período colonial na formação social, econômica e cultural do Brasil. Não é possível construir o presente e o futuro se não reconhecermos a pungente e latente estrutura patriarcal e racista no seio das relações socioeconômicas e na manutenção da estrutura capitalista, as quais, imbricadas, mantém a exploração e dominação dos povos.
E não apenas reconhecer: evocar Dandara dos Palmares e Luisa Mahin é simbólico mediante a atual conjuntura de retrocessos para o povo brasileiro. Estas heroínas ancestrais são exemplos de luta e resistência, e representam a memória viva de luta do povo negro pelo combate e fim do racismo que em sua perversidade assola, massacra e extermina cotidianamente esta população.
No entanto, em função do patriarcado e do racismo, estas heroínas foram apagadas e relegadas do processo histórico de construção e formação do Brasil. As suas memórias e revoltas travadas no período colonial até então estavam sombreadas, como se as mulheres negras não estivessem nos processos políticos de construção e efetivação da estratégia, tática, enfrentamento e organização dos territórios no combate a escravidão e pela libertação.
A força destas heroínas negras é o resgate ancestral e simbólico para a continuidade das lutas da classe trabalhadora. É neste reconhecimento concreto e assertivo de construção, combate e enfrentamento, que as mulheres negras seguem e permanecem em luta contra toda forma de exploração e dominação.
Dandara e Mahin são a luta pela terra, a luta por liberdade, por alimentação saudável e de qualidade, a luta pela tradição dos povos de matrizes africanas, a luta contra o extermínio da juventude negra, contra o feminicídio e LGBTfobia, a luta por trabalho, moradia, saúde e educação.
Sendo assim, é preciso conhecer e aprender com as lutas travadas por estas heroínas num passado não tão distante, para incidirmos no hoje e construirmos o amanhã. Pois as ferramentas do senhor não vão desmantelar a casa grande. Mas sim as estratégias de luta e organização travadas por estas heroínas da pátria, heroínas do povo brasileiro. Dandara dos Palmares, Presente! Luisa Mahin, Presente!
(Com o MST)
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