segunda-feira, 23 de novembro de 2015

A morte de Marco Antonio Coelho 1926-2015

                                                                   
                                                                        
Uma ironia do destino acabou juntando biografo e biografado num mesmo desfecho.  O jornalista mineiro Marco Antonio Coelho, autor de uma história do rio Doce, morreu, aos  89 anos, no mesmo mês em que o rio ao qual ele dedicou anos de estudo foi declarado agonizante em consequência de um desastre ambiental provocado por uma mineradora.

Marco Antonio Tavares Coelho nasceu em 1926 em Belo Horizonte, formou-se em direito mas foi no jornalismo que ele encontrou a sua grande paixão profissional.  Militante político comunista foi um dos dirigentes do PCB na época do golpe militar de 1964, quando era deputado estadual no Rio de Janeiro. Teve seu mandado cassado e foi preso em 1975, quando foi torturado barbaramente por ser o editor do jornal, Voz Operária,  do Partido Comunista Brasileiro.

Após a redemocratização continuou no jornalismo, foi editor da revista do Instituto de Estudos Avançados, da Universidade de São Paulo ( USP) e autor de dois livros. Uma autobiografia com o titulo de “A Herança de um Sonho” , e uma obra histórica sobre o rio Doce e a a mineração em Minas Gerais. 

O livro ” Rio Doce, a espantosa evolução de um Vale”,  lançado em 2011 já aponta riscos ambientais que acabaram se materializando tragicamente no desastre de Mariana. (Com o Observatório da Imprensa)

Raimundo Santos: Marco Antônio Coelho e a política das soluções positivas

No sábado passado faleceu o comunista Marco Antônio Coelho. Ao lado de Caio Prado Jr., Armando Lopes da Cunha e Armênio Guedes, Marco Antônio Coelho foi um dos principais formuladores da política contemporânea do PCB. Dois textos de Caio Prado são bem expressivos. O primeiro é “Os fundamentos econômicos da revolução brasileira”, publicado em fevereiro de 1947 na Tribuna de Debates da Voz Operária preparatória do IV Congresso do PCB, quando da sua primeira convocatória (o congresso só veio a realizar-se em 1954).

Nesse artigo o historiador valoriza a construção do capitalismo no Brasil daqueles anos, desde a perspectiva das duas reestruturações da nossa formação social (a da “vida econômica” e a da “vida política”) com as quais ele definia a "revolução brasileira” (expressão sempre usada por ele).

O segundo é Diretrizes para uma política econômica brasileira, publicado em 1954. Neste livro, o militante discute as teses desenvolvimentistas da CEPAL e interpela Keynes, desde o ponto de vista dos interesses do conjunto da população, a que deve servir a economia nacional, defendendo uma industrialização menos “eventual”,menos “artificial”, como a que teve lugar por meio do processo de substituição de importações, e que fosse mais estruturada, capaz de incorporar a força de trabalho nacional de modo realmente produtivo.

Os textos formulativos de Armando Lopes da Cunha e Armênio Guedes foram publicados por ocasião dos debates no PCB sobre a denúncia do estalinismo feita por Kruchev no XX Congresso do PC soviético em 1956; e o de Marco Antônio Coelho foi escrito depois da Declaração de março de 1958 que anunciou a nova politica do PCB.

Armando Lopes da Cunha publicou na Voz Operária de 27/10/56 o artigo “O Programa e os caminhos do desenvolvimento do Brasil”, no qual rompeu direta e abertamente com visão estagnacionista da tese do “Brasil-colônia dos Estados Unidos”. 

Era esta visão terceiro-mundista trazida da III Internacional que sustentava o sectarismo do Manifesto de Agosto de 1950 e que ainda continuava presente no Programa do PCB aprovado no IV Congresso de 1954, com a tese: “O desenvolvimento do país e a conquista da plena independência do país só serão possíveis após a derrubada do ‘atual governo’” (Dutra e Getúlio), governo visto como expressão pura e simples dos latifundiários e dos grandes capitalistas serviçais dos imperialistas norte-americanos.

Lopes da Cunha chamava a atenção para o fato de que, naqueles anos 1950, era inegável que o país se desenvolviae podia avançar na sua independência nacional bem como na própria modificação do governo, “nos quadros da atual Constituição”. 

Esse reconhecimento impunha tanto mudanças programáticas como o abandono completo da “tática estreita, sectária e exclusivista”; e exigia uma ampla frente única que unisse todos os setores interessadas no desenvolvimento nacional.

Armênio Guedes publicou em setembro de 1957 na revista Novos Tempos, editada por um grupo de renovadores após serem derrotados na discussão sobre o XX Congresso, um artigo chamado “Algumas ideias da frente única no Brasil”, no qual desconstrói a mentalidade dogmática que impedia divisar a realidade brasileira, e delineia os contornos da estratégia de convergência de forças progressistas e democráticas. 

Esse traços da estratégia de frente única vão se notar na redação da Declaração do Comitê Estadual do PCB da Guanabara, de março de 1970, texto emblemático da política de resistência democrática ao regime de 1964, a partir da atuação na conjuntura, atentando para os seus problemas e os processos e tendências em curso. 

Guedes também publicou logo após a Declaração de março de 1958, na Voz Operária de 28/06/58,o texto “Uma positiva das forças nacionalistas”, seguindo com o tema da frente única ao analisar um momento bem específico do governo JK.

Essa reorientação teve mais uma contribuição com o artigo de Marco Antônio Coelho publicado na Tribuna de debates preparatória do V Congresso de 1960, chamado justamente de “A tática das soluções positivas”. 

Neste texto, Marco Antônio Coelho refere os contornos da nova estratégia à postura agregativa do PCB na sua perspectiva das “reformas estruturais” do capitalismo, neste ponto dialogando com as teses (que ele cita) de Palmiro Togliatti apresentadas ao IX Congresso do Partido Comunista Italiano, em 1958.

Com os traços expressos nos textos dos quatro formuladores, podemos dizer, com a distância do tempo, que, antes de ter obsessão pelo poder, o PCB transformou-se em um partido de mentalidade reformista, comprometido com a política de frente única, por meio dela foi consolidando sua definição democrática. 

Ao longo de anos, afastando-se da disputa doutrinal como forma de afirmar identidade, o PCB se concentrou em buscar uma orientação de natureza política, lúcida e eficaz nas questões postas pela conjuntura, visando balizar o seu agir, paciente e determinado, sempre trabalhando com perspectiva e com o hábito da avaliação das suas táticas, autocrítica e retificações.

Esse pecebismo contemporâneo já foi reverenciado por Hélio Jaguaribe que certa vez afirmou (esta é uma observação de Gildo Marçal Brandão) que os comunistas tinham uma prática responsável (e uma “péssima teoria”, disse também o isebiano histórico, referindo-se ao marxismo-leninismo dos comunistas). O próprio Armênio Guedes reconheceu que o seu partido comunista entre 1950 e 1970 formou boa parte quadros políticos que (em 2000, ano deste seu comentário) exerciam funções dirigentes no país.
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[Texto de Raimundo Santos, domingo, 22 de novembro de 2015. Especial para o blog Democracia política e novo reformismo].

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