sábado, 20 de dezembro de 2014

Libertação dos heróis cubanos, uma vitória de todos os revolucionários

                                                                           

                                                  (Nota Política do PCB)

A Comissão Política Nacional do Partido Comunista Brasileiro (PCB) se associa a todos os revolucionários do mundo em sua alegria e felicidade pela libertação dos três heróis cubanos encarcerados há 16 anos nas masmorras do império norte-americano, em condições desumanas (outros dois já tinham sido libertados anteriormente). A libertação de Gerardo Hernández, Antonio Guerrero y Ramón Labaniño representa uma vitória do povo cubano contra o imperialismo norte-americano, além de uma vitória dos movimentos de solidariedade em todo o mundo, que cumpriram um papel fundamental para a libertação.

A prisão desses heróis cubanos há mais de uma década e meia representa também a dupla moral do imperialismo. Esses camaradas estavam nos Estados Unidos cumprindo uma tarefa humanitária de evitar com que os terroristas gusanos, sediados em Miami, realizassem atentados contra alvos civis em Cuba, como aconteceu em diversas oportunidades, inclusive com a morte de um cidadão italiano. Enquanto prendiam os nossos heróis, deixavam livres Luis Posadas Carrilles, um terrorista profissional que colocou uma bomba em um avião civil cubano matando 73 pessoas em pleno vôo.

A luta pela libertação dos cinco camaradas representou um marco histórico e ficará na memória de todos os revolucionários como um exemplo de firmeza de um povo que, apesar das difíceis condições econômicas, fruto de um bloqueio criminoso que já dura mais de 50 anos, manteve alta sua moral revolucionária e foi capaz de despertar um movimento de solidariedade em todo o mundo, cujo resultado é a libertação dos três últimos heróis encarcerados nas masmorras do império.

Comemoremos essa vitória, mas sem esquecermos um só minuto de que nossa tarefa é dar continuidade à campanha pelo encerramento de vez desse bloqueio criminoso, que o próprio presidente dos Estados Unidos foi obrigado a reconhecer que não foi capaz de dobrar a moral revolucionária do povo cubano. Além do fim do bloqueio, os imperialistas devem devolver a Cuba seu território de Guantanamo, até hoje ocupado pelos Estados Unidos, e que tem servido de base para uma das mais abjetas prisões e práticas de tortura do mundo.

Viva o internacionalismo proletário!

Viva a liberdade dos heróis cubanos!

Comissão Política Nacional do PCB

Vitória: os heróis cubanos estão em Havana

VOLTARAM

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

A bruxa anda solta nos jornais, assim como a censura. O autor deste artigo foi demitido do "Estado de Minas"

Síndrome de Capitu

O Brasil já tem presidente para os próximos quatro anos, o que está faltando é oposição responsável


João Paulo Cunha (*) 


Existem duas verdades aparentemente óbvias que, no entanto, não têm ficado suficientemente claras para muita gente: o país mudou e a eleição já acabou. A insistência em dar continuidade ao processo que elegeu Dilma Rousseff poderia ser apenas um luto mal vivido, mas tende a se tornar perversa no campo político. Por outro lado, a recusa em enxergar a nova configuração da sociedade, resultado de seguidas políticas de distribuição de renda e inclusão social, pode gerar um impulso no mínimo grotesco em suas alusões reativas e chamamentos à ditadura.

É preciso ir adiante. A oposição, certamente, saiu fortalecida do resultado eleitoral bastante parelho. Mas corre o risco de jogar fora esse crescimento quantitativo em nome de um comportamento pouco produtivo em termos políticos. Em vez de jogar com seu eleitor fiel, interpreta os votos de acordo com suas conveniências e joga para a plateia pelos meios de comunicação, sem perceber que essa falácia já mostrou ser um paradoxo invencível: tem mais brilho que consistência, mais efeito que substância, mais eco que voz.

A oposição de hoje parece viver, no campo da política, o que Bento Santiago, o Bentinho de Dom Casmurro, de Machado de Assis, viveu em seus tormentos de alma: se perde na fantasia da traição (mesmo que ela tenha sido real). Para lembrar sumariamente o enredo do romance, Bentinho se apaixona por Capitu, desde logo apresentada como portadora de “olhos de ressaca”. São jovens de classes sociais distintas. Um arranjo permite o casamento. Logo Bentinho, já pai e bem posto na vida como advogado, desconfia que está sendo traído pela mulher com o melhor amigo, em quem vê semelhança com o filho. O casal se separa, o filho morre e Bento, sozinho, leva adiante sua sina de ser casmurro e sofrer com a desconfiança até o fim da vida.

Machado de Assis, como sempre, ao falar de seus personagens, está figurando a sociedade de seu tempo. Bentinho não sofre só pela traição, mas porque não entende que o mundo mudou. Não pode aceitar que a sociedade republicana deixou para trás as amarras elitistas do Segundo Reinado e da escravidão. Bento não reconhece a mulher, a sociedade, a história. Não pode aceitar que ela tenha uma vida independente e autônoma. Tudo que ele não compreende o ameaça. Capitu não é apenas a mulher, mas tudo que perdeu em seu mundo de referências que se esvaem. Mais que sexual, a traição é histórica. Homem de outro tempo, só resta a ele tentar convencer ao leitor e a si próprio de seu destino de vítima. E soprar um melancólico saudosismo acerca dos tempos idos, que busca reconstruir em sua casa feita à semelhança do lar da meninice.

O Brasil tem uma recorrente síndrome de Capitu: tudo que a elite não tolera se torna, por meio de um discurso marcado pela força jurídica e da tradição, algo que deve ser rejeitado. Eternos maridos traídos. A tendência de empurrar a política para os tribunais é uma consequência desse descaminho. Assim, tudo que de alguma forma aponta para a mudança e ampliação de direitos é considerado ilegítimo e, em alguns momentos, quase uma afronta que precisa ser questionada e combatida. Foi assim com a visibilidade dada aos novos consumidores populares (que foram criminalizados em rolezinhos ou objeto de ironia em aeroportos), com as cotas raciais para a universidade, com a chegada de médicos estrangeiros para ocupar postos que os brasileiros, psicanaliticamente, denegaram.

O romance de Machado de Assis tem ainda outro personagem curioso para a sociologia e psicologia do brasileiro, o agregado José Dias. Trata-se de um homem que vive às expensas da família de Bento e que, por isso, não cessa de elogiar quem o acolhe. Típico representante de certa classe média, ele é o bastião dos valores da burguesia da época, da qual só participa de esguelha. Mais burguês que os burgueses, em sua subserviência, ele gasta os superlativos e a vida a invejar e defender os “de cima”, com pânico de ser confundido com os “de baixo”. Epígonos de José Dias, hoje, são os que amam Miami, levam os filhos para ver o Pateta e participam de passeatas pedindo a volta dos militares.

Leviandade

Mas o que a síndrome de Capitu tem a ver com a política brasileira de hoje? Em primeiro lugar, ela explica por que, em vez de armar uma oposição de verdade, os partidos derrotados tentam inviabilizar a sequência do processo democrático. Em segundo lugar, pela defesa da dupla moral, que desculpa os erros do passado por causa da dimensão dos desvios de hoje, numa reedição do estilo udenista e despolitizador de analisar a conjuntura. Tudo que pode de alguma forma macular a oposição é considerado “sórdido” e “leviano”, numa substituição da política pela moral de circunstância. A corrupção, com sua espantosa abrangência, precisa ser combatida em toda sua dimensão e arco histórico. Nenhum culpado pode ficar de fora, de empresários a políticos de todos os partidos.

Por fim, a personagem machadiana ajuda a explicar a fixação em torno de determinados temas – no romance, é a traição, na vida política atual, é a inflação –, que são muito mais derivações que propriamente o que de fato interessa. A escolha dos ministros da área econômica mostrou como mesmo um governo popular e eleito democraticamente confirma as intuições de Machado de Assis. A excessiva submissão aos interesses rentistas pode ser um recuo estratégico. Mas é um recuo. Uma capitulação.

Economia não é uma ciência exata e, muito menos, isenta de componente ideológico. Um governo de esquerda precisa de uma política econômica de esquerda. Além do equilíbrio macroeconômico, o mais importante é apontar as estratégias de distribuição de renda e de investimento na área social. O deus Mercado não pode falar mais alto que os filhos de Deus. No complexo tecido que sustenta a governança, a presença das forças populares não pode ser colocada em segundo plano, como vem sendo até agora. A excessiva sujeição ao cálculo do apoio político está na base da grande corrupção que hoje enoja a todos. Por isso a reforma política popular se tornou a agenda prioritária da sociedade.

A oposição, por sua vez – e o senador Aécio Neves, candidato derrotado como seu nome de maior destaque –, tem uma tarefa a cumprir: dar um passo à frente no jogo político, com a grandeza que o momento requer. O que ainda está devendo.

Bentinho perdeu sua vida ao ficar preso a um passado de desconfianças que, de resto, até hoje divide as opiniões. Há grandes projetos que impulsionam uma vida e moldam expectativas de futuro, algo que ganhou o belo nome de utopia. Há, entretanto, obsessões que paralisam pelo rancor e ressentimento. Bentinho, é bom lembrar, nunca mais foi feliz. Foi ele mesmo o criador e a vítima da síndrome que o consumiu.​

(*) Editor do Caderno de Cultura do "Estado de Minas" . Por causa deste artigo, João Paulo Cunha foi proibido de escrever sobre Política no jornal e acabou sendo demitido.

MEU RECADO

                                                             
  
Cuba-Estados Unidos

José Carlos Alexandre

Briga de vizinhos tende a acabar com um aperto de mãos.

No caso de Estados Unidos e Cuba o aperto de mãos entre o presidente Barack Hussein Obama, dos Estados Unidos, e Raúl Castro, de Cuba, antecedeu o fim de um conflito de mais de 50 anos.

A grosso modo, um síndico distante dos dois brigões ajudou bastante a conciliação, reconheceram Raúl e Obama.

Trata-se da intermediação do papa argentino Francisco.

O Canadá, dizem as redes internacionais, também contribuiu para a détente.

Nesta história toda a comunidade internacional saiu ganhando com a libertação dos "Últimos soldados da guerra fria", os heróis cubanos.

Todos nós que nos alinhamos desde o princípio na campanha pela soltura dos cinco cubanos presos nos EUA.

Uma boa parte da reaproximação dos dois países também se deve à ONU que nos últimos anos vinha aprovando por absoluta maioria moções contra o embargo dos EUA ao pequeno país do Caribe.

Cuba vinha perdendo horrores desde o início do embargo, em 1962, impedido de comercializar com empresas norte-americanas e outras restrições que , se mal podemos comparar, soam como no passado, quando nações eram submetidas a cerco até provocar seu rendimento pela fome de seus cidadãos.

A Bíblia mesmo conta histórias de arrepiar no que tange às guerras de conquistas...

A resistência cubana chega às raias de uma epopeia moderna, tendo a frente os irmãos Castro, Fidel e Raúl, lutando lado a lado com a sofrida mas heróica população.

Está certo que ainda falta muita coisa para que os povos estadunidense e cubano possam viver como bons vizinhos.

O embargo econômico precisa contar com o aval do Capitólio.

E outras medidas, como o fim do enclave norte-americano de Guantánamo, precisam ser aceleradas.

Estamos enxergando, contudo, um ótimo caminho para a guerra fria ou o que dela resta nesta parte do mundo seja relegada para sempre às páginas da história.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

O Brasil e a política do neoliberalismo

                                           
Presidente Rousseff declara guerra à classe trabalhadora



James Petras

A classe trabalhadora brasileira está a enfrentar o mais selvagem assalto aos seus padrões de vida em mais de uma década. E não são apenas os trabalhadores industriais que estão sob ataque. Os trabalhadores rurais sem terra, os empregados assalariados do sector público e privado, professores, profissionais da saúde, desempregados e pobres estão a enfrentar cortes maciços no rendimento, nos empregos e nos pagamentos de pensões. 

Quaisquer que tenham sido os ganhos obtidos entre 2003-2013, serão revertidos. Os trabalhadores brasileiros enfrentam uma "década de infâmia". O regime Rousseff abraçou a política do "capitalismo selvagem" tal como personificado na nomeação de dois dos mais extremos advogados de políticas neoliberais. 

O "Partido dos Trabalhadores" e a ascendência do capital financeiro 

No princípio de Dezembro de 2014, a presidente Rousseff nomeou Joaquim Levy como o novo ministro das Finanças – de facto o novo czar económico para dirigir a economia brasileira. Levy é um importante membro da oligarquia financeira brasileira. Entre 2010-2014 foi presidente do Bradesco Asset Management, um braço de gestão de activos do gigantesco conglomerado Bradesco que administra mais de 130 mil milhões de dólares. 

Desde os seus tempos de doutoramento na Universidade de Chicago, Levy é um leal seguidor do supremo neoliberal, o professor Milton Friedman, antigo conselheiro económico do ditador militar chileno Augusto Pinochet. Como antigo responsável de topo no Fundo Monetário Internacional (1992-1999), Levy foi um forte advogado de duros programas de austeridade os quais uma década depois empobreceram o Sul da Europa e a Irlanda. Durante a presidência de Henrique Cardoso, Levy actuou como estratega económico de topo, envolvido directamente na maciça privatização de empresas públicas lucrativas – a preços de saldo – e na liberalização do sistema financeiro, a qual facilitou a saída financeira ilícita de US$15 mil milhões por ano. A presença de Levy como membro eminente da oligarquia financeira do Brasil e seus profundos e antigos laços a instituições financeiras internacionais é precisamente a razão porque a presidente Rousseff o colocou como responsável da economia brasileira. A nomeação de Levy é parte integral da adopção por Rousseff de uma nova estratégia de aumentar amplamente os lucros do capital financeiro estrangeiro e interno, na esperança de atrair investimentos em grande escala e findar a estagnação económica. 

Para a presidente Rousseff e seu mentor, o ex-presidente Lula da Silva, toda a economia deve ser direccionada para obter a "confiança" da classe capitalista. 

As políticas sociais que foram implementadas anteriormente são agora sujeitas à eliminação ou redução, pois o novo czar financeiro, Joaquim "Jack o Estripador" Levy, avança na aplicação da sua "terapia de choque". Cortes profundos e abrangentes na parte do rendimento nacional que cabe ao trabalho estão no topo da sua agenda. O objectivo é concentrar riqueza e capital nos dez por centos superiores na esperança de que invistam e aumentem o crescimento. 

Se bem que a nomeação de Levy represente decididamente uma viragem para a extrema-direita, as políticas e práticas económicas dos doze anos anteriores prepararam os fundamentos para o retorno de uma versão virulenta da ortodoxia neoliberal. 

Os fundamentos económicos para o retorno de capitações selvagens 

Durante a campanha eleitoral em 2001, Lula da Silva assinou um acordo económico com o FMI que garantia um excedente orçamental de 3%. Lula quis tranquilizar banqueiros, financeiros internacionais e multinacionais assegurando que o Brasil pagaria seus credores, aumentaria as reservas [de divisas] estrangeiras para remessa de lucros e fluxos financeiros ilícitos para o exterior. 

A adopção por Lula de políticas orçamentais conservadoras foi acompanhada pelas suas políticas de austeridade, redução de salários de funcionários públicos e de pensões, bem como de proporcionar apenas aumentos marginais no salário mínimo. Acima de tudo, Lula apoiou todas as privatizações corruptas que tiveram lugar sob o anterior regime Cardoso. No fim do primeiro ano de Lula no governo, em 2003, a Wall Street louvou-o como o "Homem do ano" pelas suas "políticas pragmáticas" e a sua desmobilização e desradicalização dos principais sindicatos e movimentos sociais. Em Janeiro de 2003, o presidente Lula da Silva nomeou Levy como secretário do Tesouro, uma posição que ele manteve até 2006 – o mais socialmente regressivo período da presidência Lula da Silva. Este período também coincidiu com uma série de escândalos de corrupção enormemente lucrativos, de muitos milhares de milhões de dólares, envolvendo dúzias de altos responsáveis do PT no regime Lula que recebiam comissões clandestinas das principais companhias de construção. 

Dois acontecimentos em meados dos anos 2000 permitiram a Da Silva moderar suas políticas e introduzir reformas sociais limitadas. O boom das commodity – um aumento agudo na procura e nos preços das exportações agro-minerais – encheu os cofres do Tesouro. E a pressão acrescida dos sindicatos, dos movimentos rurais e dos pobres por uma fatia na prosperidade económica levou a aumentos em gastos sociais, salários e crédito fácil sem afectar a riqueza, propriedade e privilégios da elite. Com o boom económico, Lula podia também satisfazer o FMI, o sector financeiro e a elite dos negócios com subsídios, isenções fiscais, juros baixos nos empréstimos e lucrativos contratos estatais com "sobrepreços". Os pobres receberam 1% do orçamento através de uma "subvenção familiar", uma esmola de US$60 por mês, e trabalhadores mal pagos receberam um salário mínimo mais alto. O custo do bem-estar social (social welfare) foi uma fracção dos 40% do orçamento que os bancos receberam em pagamentos do principal e de juros na dúbia dívida pública incorrida pelos anteriores regimes neoliberais. 

Com o fim do boom, o governo de Rousseff reverteu às políticas ortodoxas de Lula no período 2003-2005 e renomeou Levy para executá-las. 

A terapia de choque de Levy e suas consequências 

A tarefa de Levy de reconcentrar rendimento, ascender lucros e reverter políticas sociais será muito mais árdua em 2014-2015 do que foi em 2003-2005. Principalmente porque, anteriormente, ele estava simplesmente a continuar as políticas do regime Cardoso – e Lula prometeu aos trabalhadores que isso era apenas temporário. Hoje Levy deve cortar e retalhar ganhos que os trabalhadores e os pobres consideravam como garantidos. De facto, em 2013-2014 movimentos de massa urbanos pressionavam por maiores despesas sociais em transportes, educação e saúde. 

Para a terapia de choque de Levy avançar, em algum ponto será necessária repressão, como foi o caso no Chile e na Europa do Sul quando políticas de austeridade semelhantes deprimiram rendimentos e multiplicaram o desemprego. 

Levy propõe resgatar os interesses do capital financeiro tomando várias medidas cruciais, as quais estarão alinhadas com a agenda da Wall Street, da City de Londres e dos potentados financeiros brasileiros. Consideradas na sua totalidade, as políticas financeiras de Levy equivalem a "tratamento de choque" – medidas económicas duras e rápidas aplicadas contra os padrões de vida dos trabalhadores, o equivalente a choques eléctricos em pacientes com perturbações aplicados por psicólogos dementes a afirmarem que "sofrimento é ganho", mas que mais frequentemente transformam os pacientes em zumbis ou coisa pior. 

A primeira prioridade de Levy é cortar e retalhar investimentos públicos, pensões, pagamentos por desemprego e salários do sector público. Sob o pretexto de "estabilizar a economia" (para os grupos financeiros) ele desestabilizará a economia familiar de dezenas de milhões. Ele cancelará isenções fiscais para a massa de consumidores que compra carros, electrodomésticos e "produtos da linha branca", aumentando portanto os custos para milhões de famílias da classe trabalhadora ou expulsando-as do mercado através dos preços. O objectivo de Levy é desequilibrar orçamentos familiares (aumento da dívida em relação ao rendimento) a fim de aumentar o excedente do orçamento do Estado e assegurar plenos e prontos pagamentos de dívidas a credores como o seu próprio conglomerado Bradesco. 

Em segundo lugar, Levy "ajustará" preços. Mais especificamente o controle do preço final de combustíveis, energia e transportes de modo a que os oligarcas financeiros com milhões de acções naqueles sectores possam elevar preços e "ajustar" sua riqueza ascendente para os milhares de milhões de dólares. Em consequência, a classe trabalhadora e a média terão de gastar uma maior fatia do seu rendimento declinante com combustível, transporte e energia. 

Em terceiro lugar, Levy provavelmente deixará a divisa enfraquecer a fim de promover exportações agro-minerais sob o disfarce da maior "competitividade". Mas uma divisa mais barata aumentará o custo de importações, especialmente de alimentos básicos e bens manufacturados. A desvalorização de facto atingirá mais duramente os milhões que não podem proteger suas poupanças e favorecerá os especuladores financeiros que capitalizarão nos movimentos da divisa. E estudos comparativos demonstram que uma divisa mais barata não aumenta necessariamente os investimentos produtivos. 

Em quarto lugar, é provável que Levy afirme que as falhas de energia devidas à seca, a qual reduziu a produção das hidroeléctricas do Brasil, exigem "reforma" do sector da energia, eufemismo de Levy para privatização. Ele proporá a liquidação do gigante semi-público Petrobrás e acelerará a privatização da exploração de sítios offshore, em termos favoráveis a grandes bancos de investimento. 

Em quinto lugar, é provável que Levy retalhe e incinere regulamentações ambientais e de negócios, incluindo aquelas que afectam a floresta tropical, direitos do trabalho e dos índios, a fim de facilitar a entrada e saída rápida de capital financeiro. 

A "terapia de choque" de Levy terá um profundo impacto social e económico sobre a sociedade brasileira. Toda indicação, de experiências passadas e presentes, é que em todo o país onde "Chicago boys", como Levy, aplicaram sua fórmula de "choque", o resultado foi profunda recessão económica, regressão social e intranquilidade política. 

Ao contrário das expectativas da presidente Rousseff, cortes em crédito, salários e investimento público deprimirão a economia – remetendo-a da estagnação para a recessão. A retrógrada equilibragem do orçamento diminui a procura e não induz fluxos de capital produtivo. Os sectores de crescimento mais dinâmico na manufactura, indústria automobilística, serão drástica e adversamente afectados pelos aumentos nos impostos sobre compras. E o mesmo se passa quanto a electrodomésticos. 

Até agora a expansão do investimento público fora a principal força condutora do magro crescimento económico. Não há razão racional para acreditar que vastos fluxos de capitais privados subitamente preencherão a lacuna, especialmente num mercado em contracção. Isto é especialmente verdadeiro se, como é provável que aconteça, o conflito de classe se intensificar na generalidade devido a reduções em salários e padrões de vida. 

Levy, como todos os fanáticos do mercado livre, argumentará que a recessão e regressão é necessária a curto prazo e que "no longo prazo" terá êxito. Mas em todos os países contemporâneos que seguiram sua fórmula de choque, o resultado foi a regressão prolongada. A Grécia, Espanha, Itália e Portugal estão no sétimo ano de austeridade que induziu a depressão e a sua dívida pública está em crescimento . 

As efectivas consequências reais da terapia de choque 

Temos de por de lado as afirmações ideológica de "estabilidade e crescimento" dos Levyitas e olhar para os resultados reais das políticas que ele promete. 

Em primeiro lugar e acima de tudo, as desigualdades aumentarão porque quaisquer ganhos no rendimento serão a seguir concentrados no topo. As políticas do governo de desregulamentação orçamental e das taxas de câmbio aprofundarão os desequilíbrios na economia, favorecendo credores em relação a devedores, a finança estrangeira em relação a manufacturas locais, os proprietários de capital em relação aos trabalhadores assalariados, o sector privado em relação ao sector público. 

Levy na verdade "assegurará a confiança do capital" porque o que é alcunhado como "confiança do investidor" repousa sobre uma licença sem empecilhos para pilhar o ambiente, reduzir salários e explorar um crescente exército de reserva de desempregados. 

Conclusão 

A terapia de choque de Levy intensificará a tensão de classe e inevitavelmente resultará na ruptura do pacto social entre o regime do assim chamado Partido dos Trabalhadores e os sindicatos, os trabalhadores rurais sem terra e os movimentos sociais urbanos. 

Rousseff e a liderança do pretenso "Partido dos Trabalhadores", confrontada com a estagnação económica resultante do declínio no preços das commodities e da decisão do capital privado de evitar investimentos, podia ter optado por socializar a economia, acabar com o capitalismo de compadrio (crony capitalism) e aumentar o investimento público. Ao invés disso, eles capitularam. Rousseff reciclou as políticas neoliberais ortodoxas que Lula implementou durante os primeiros dois anos do seu regime. 

Ao invés de mobilizar trabalhadores e profissionais para mudanças estruturais mais profundas, Rousseff e Lula da Silva estão a contar com a "ala esquerda" do PT para lamentar, criticar e conformar-se. Eles estão a contar com líderes cooptados da confederação sindical (CUT) para hiper-ventilar e limitarem-se a protestos simbólicos inconsequentes os quais não abalarão a "terapia de choque" de Levy. Contudo, o âmbito, profundidade e extremismo do assim chamado programa de ajustamento e estabilização de Levy provocarão greves gerais, sobretudo no sector público. Os cortes na indústria automobilística e o aumento do desemprego resultarão em acções de protesto no sector manufactureiro. Os cortes no investimento público e a ascensão nos custos do transporte, cuidados de saúde e educação revitalizarão os movimentos de massa urbanos. 

Dentro de um ano, as políticas de choque de Rousseff e Levy converterão o Brasil num caldeirão fervente de descontentamento social. Os gestos pseudo-populistas de Lula e a retórica vazia não terão efeitos. Rousseff não será capaz de convencer o povo trabalhador a aceitar o viés de classe do programa de "austeridade" de Levy, seus incentivos para "ganhar a confiança dos mercados internacionais" e sua política de contracção do rendimento da vasta maioria do povo trabalhador. 

As políticas de Levy aprofundarão a recessão, não redespertarão os espíritos animais de empresários. Após um ano de "mais sofrimento e nenhum ganho" (excepto quanto a lucros mais altos para financeiros e exportadores agro-minerais), a presidente Rousseff enfrentará o inevitável resultado político negativo de ter perdido o apoio dos trabalhadores, da classe média e dos pobres rurais sem ganhar o apoio dos negócios e da elite financeira – eles têm os seus próprios líderes confiáveis. Uma vez tendo posto em prática suas radicalmente regressivas políticas de mercado livre, e tendo provocado maciço descontentamento popular, Levy demitir-se-á e retornará à presidência do Bradesco, do fundo de investimento de muitos milhares de milhões de dólares, declarando "missão cumprida". 

Rousseff pode substituir Levy e tentar "moderar" sua "terapia de choque". Mas nessa altura será demasiado pouco e demasiado tarde. O Partido dos Trabalhadores acabará no caixote de lixo da história. A decisão de Rousseff de nomear Levy como czar económico é uma declaração de guerra de classe . E a fim de vencer a guerra de classe, não podemos excluir que as políticas radicalmente regressivas serão impostas pela violência estatal – a repressão de protestos da massa urbana, o desalojamento selvagem de pacíficos trabalhadores rurais sem terra que ocuparem terras devolutas. 

A viragem do regime do "Partido dos Trabalhadores" do "neoliberalismo inclusivo" para o extremismo friedmanista do livre mercado radicalizará e polarizará a sociedade brasileira. A oligarquia pressionará pela remilitarização da sociedade civil. Isto por sua vez, estimulará o crescimento da consciência de classe dos movimentos sociais, como aqueles que terminaram vinte anos de domínio militar. Talvez desta vez a revolução social (social upheaval) possa não acabar numa democracia liberal, talvez a luta que vem aí traga o Brasil mais próximo de uma república socialista. 
14/Dezembro/2014
Do autor sobre o Brasil: 
A luta dos trabalhadores triunfa sobre o espectáculo 
O capitalismo extractivo e o grande salto para trás 

O original encontra-se em www.globalresearch.ca/... 

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Operação gringo": o PCB como inimigo nº 1 da ditadura militar

                                                 

Recentemente uma equipe do ministério público federal descobriu, na casa do tenente-coronel Paulo Malhães, documentos e relatórios de uma operação do Centro de Informações do Exército (CIE) para perseguir militantes políticos nas fronteiras do sul do Brasil. 


Milton Pinheiro (*)

Esse material, da "Operação gringo", data de 31 de dezembro de 1979 e traz algo que reitera uma antiga prática dos governos militares: a destruição do PCB como "inimigo" a ser mais uma vez combatido diante da perspectiva da transição política da ditadura para a democracia tutelada e, ao mesmo tempo, a justificativa para manter os aparelhos de repressão.  

A historiografia já confirmou, com farta documentação, que o PCB mesmo não fazendo o enfrentamento armado à ditadura foi sempre considerado um inimigo a ser massacrado. 

Logo no começo do regime militar, em 1964, de abril a novembro, foram presos, torturados e assassinados oito militantes do partido. 

Em 1965 foram assassinados dois militantes comunistas e em 1969, mais um. Já em 1971, os órgãos de repressão do regime consumaram a morte de três comunistas. 

Em 1972, foram mortos pela repressão dois militantes e logo no começo de 1973, mais um.

Mas o pior ainda estava por vir. De 1974 a 1976, a ditadura, analisando a influência do PCB na frente política e nos movimentos sociais de resistência democrática, desenvolveu a chamada "Operação Radar" para destruir o PCB, matando membros do Comitê Central (CC) e quadros importantes da vida social e cultural do Brasil: foram assassinados 21 membros do partido.

Em 1977, a ditadura faz a sua última vítima no PCB ao assassinar um professor, sob tortura, nas dependências do Exército no Rio de Janeiro.

A "Operação Radar", articulada em 1973, só entrou em funcionamento de forma mais contundente em 1974. Essa operação, iniciada em São Paulo, mudava de nome nos outros estados. Hoje, uma farta documentação comprova que o regime ao pensar a "transição segura, lenta e gradual" precisava destruir, antes, o PCB.


Essas descobertas jogam luz sobre o processo político da chamada longa transição brasileira e vai impactar os estudos sobre como se ocupou o espaço político no Brasil, e de que forma. Sabíamos das diversas operações para destruir o PCB até 1976, no entanto, essas novas fontes estão a nos mostrar que, mais uma vez, pela capacidade de reconstrução dos comunistas brasileiros - na frente democrática e nos espaços operários e sociais - o PCB, novamente, foi atacado.

A repressão, com essa comprovada investida, atesta algumas questões: o partido precisava ser destruído por sua presença nas lutas sociais no Brasil, por sua longeva experiência política (1922) e por representar interesses sociais. 

Portanto, deveria ser infiltrado e dissecado novamente (no Brasil e no exterior). Mas não é só isso, ao atacar o inimigo número 1 os representantes da ditadura tinham uma nova justificativa para a sua existência, só que agora em outro patamar.

(*) Cientista político, professor da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e pesquisador da USP.

 (Com o Pravda Ru)

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

O PCB E A REFORMA POLÍTICA

                                                                          

                                                      (Nota Política do PCB)

Encerradas as eleições de 2014 e findo o espetáculo da democracia burguesa, a vida real retornou drasticamente para a imensa maioria da população após mais um processo de cartas marcadas em que a polarização entre as candidaturas presidenciais que disputaram o segundo turno se deu através de um dos mais pobres debates políticos dos últimos tempos,em que predominaram os ataques pessoais e promessas ligadas a diferentes formas de administrar o país dentro da lógica da expansão capitalista e dos interesses das grandes empresas, principais financiadoras das campanhas das coligações mais poderosas. 

A vitória apertada da candidata do PT-PMDB, evidencia o desgaste dos governos petistas, que, no fundamental, não alteraram as políticas econômicas neoliberais e tornaram-se reféns do presidencialismo de coalizão para garantir a governabilidade a qualquer preço, por meio de acordos com os partidos fisiológicos, cujo preço é o abandono das reformas sociais mais elementares.

As primeiras medidas adotadas pelo governo Dilma após a reeleição confirmam os prognósticos feitos pelo PCB, cuja opção pelo voto nulo no segundo turno estava inserida na percepção segundo a qual a classe trabalhadora já havia sido derrotada nas eleições e deveria continuar em luta qualquer que fosse o presidente saído das urnas. A decretação de nova elevação da taxa de juros, a indicação de um representante do capital financeiro para Ministro da Fazenda e de outros nomes ligados à alta burguesia para cargos ministeriais, o anúncio de cortes de gastos públicos (que na certa recairão sobre programas sociais), repetindo a velha fórmula neoliberal para tentar barrar a inflação, dentre outras, são iniciativas voltadas a “tranquilizar” os banqueiros e capitalistas, na contramão do discurso “mais à esquerda” adotado na campanha do segundo turno para canalizar votos dos setores mais progressistas na direção do PT.

Agora também reaparece com mais força o tema da reforma política, como se fosse uma tábua de salvação para superar o desgaste político acumulado pelo PT nesses últimos tempos e tornado mais visível desde junho de 2013, quando o grito das ruas apontou o descontentamento popular com os péssimos serviços públicos, a piora das condições de vida nas cidades, a corrupção nos meios políticos. Nenhuma reforma fundamental foi anunciada de lá pra cá, a não ser o decreto governamental da Lei e da Ordem, institucionalizando a repressão e a criminalização dos movimentos sociais e o projeto que versava sobre a “Política Nacional de Participação Social”, o chamado Decreto dos Conselhos, que, em tese, instituiria a consulta a conselhos populares por órgãos do governo antes de decisões sobre a implementação de políticas públicas. Este decreto foi derrubado pela Câmara dos Deputados logo após o resultado do segundo turno, por representantes dos partidos burgueses, inclusive a base conservadora de apoio ao governo Dilma.

Não se promove a participação popular com vistas a tomadas de decisões no âmbito do poder político por decreto, muito menos quando o projeto amarra a formação dos “conselhos populares” a fóruns e organizações cujas representações seriam escolhidas a dedo pelo próprio governo, indicando que a tal anunciada democratização na definição de políticas públicas não passaria de uma tentativa de atrelamento dos movimentos sociais às ações governamentais. A derrubada deste projeto na Câmara indica claramente a postura extremamente conservadora dos parlamentares, que irá piorar, em virtude do resultado das eleições deste ano, fazendo aumentar as bancadas dos representantes do agronegócio, dos lobistas, da pistolagem, do fanatismo religioso e da ultradireita.

A reforma política aventada pelo governo Dilma, que chegou a anunciar a intenção de promover um plebiscito para instaurá-la e, depois das pressões contrárias dos grupos conservadores, recuou, na verdade tende a aprofundar ainda mais o caráter elitista, excludente e antidemocrático do sistema político atual, com medidas como a cláusula de barreira para a existência dos partidos com base no desempenho eleitoral, o fim das coligações proporcionais, o voto distrital, etc. Para o PCB, não passa de uma falácia a afirmação de que a reforma política esboçada vá acabar ou reduzir a corrupção, aprimorar os mecanismos democráticos e assegurar o fortalecimento dos partidos e a fidelidade partidária.

O que se vê até agora é o encaminhamento de propostas no sentido de favorecer apenas os interesses das chamadas grandes agremiações partidárias, na direção contrária, portanto, de qualquer possibilidade de criação de novos mecanismos de participação popular, tais como a adoção de consultas regulares à população, cassação popular de mandatos, tribuna popular nos parlamentos, ampliação da iniciativa legislativa, formação de conselhos populares autênticos, etc. Há de fato em curso uma reforma eleitoral regressiva que, no essencial, visa a eliminar os pequenos partidos, forçando a absorção das legendas de aluguel pelas maiores agremiações e a perda do registro legal das organizações socialistas e revolucionárias, as quais já encontram dificuldades para participar dos processos eleitorais em concorrência com as campanhas milionárias e nos marcos de uma legislação draconiana e desigual.

A “reforma” proposta pelos partidos burgueses

A chamada cláusula de barreira surgiu em alguns países da Europa, com o claro objetivo de excluir partidos comunistas e revolucionários dos parlamentos, os quais tendem a ser minoritários em termos eleitorais na atual conjuntura, pois a luta dos comunistas não se restringe ao parlamento, e as regras burguesas nada têm de democráticas, fazendo imperar a influência do capital e a manipulação da mídia no jogo eleitoral. O partido que não atingir o percentual mínimo exigido não teria direito a cotas do Fundo Partidário, horário gratuito no rádio e televisão. Se esta norma prevalecesse na primeira metade dos anos oitenta, o PT estaria na linha de corte, sem poder crescer.

Outra medida proposta é o fim das coligações proporcionais, com o objetivo de concentrar o quadro partidário a poucas agremiações. As legendas burguesas de aluguel, de pequeno porte, não têm qualquer dificuldade de promover sua própria extinção, fundindo-se com partidos burgueses de maior porte, desde que a negociação compense. Fusões partidárias já estão em curso, prevalecendo razões de ordem fisiológicas e não ideológicas.

Sem ilusões de que mudanças na legislação eleitoral, mesmo que avançadas, possam tornar democráticas as eleições burguesas, o PCB é a favor das coligações, desde que estas se estabeleçam a partir de programas políticos e referências ideológicas definidas. Nossa proposta é a verticalização nacional das coligações, com a possibilidade de formação de “federações de partidos”, em bases programáticas e permanentes, para além das eleições, possibilitando a identificação das legendas e composições políticas com propostas e formulações que não se alterem ao sabor das conveniências de momento.

Outra proposta que interessa aos setores conservadores é a da introdução no Brasil do chamado voto distrital nas eleições proporcionais, por intermédio do qual o eleitor só teria direito a votar em candidatos inscritos para disputar o cargo de deputado em seu distrito, ou seja, numa determinada jurisdição. Uma vez eleito, o parlamentar distrital tende a se comportar como uma espécie de despachante da região que o elegeu e pela qual pretende se reeleger. Se hoje já existe uma grande despolitização nas eleições proporcionais, o advento desta mudança tornaria ainda mais minoritário o voto de opinião, identificado com projetos alternativos de sociedade, espaço principal dos partidos revolucionários, dando lugar ao bairrismo e às disputas regionais. Por estas razões, o PCB se coloca na defesa do voto universal e radicalmente contrário ao voto distrital, ainda que misto, ou seja, com uma parte do parlamento eleita pelo distrito e outra pelo conjunto de eleitores.

Na contramão do projeto burguês, organizar a luta pelo Poder Popular

Para que os trabalhadores tenham de fato oportunidade de participação nas tomadas de decisão sobre sua vida, é preciso muito mais que uma reforma política ou a engenhosidade de sistemas de representação, organização partidária e sistemas eleitorais pretensamente inovadores, elaborados para dar falsa impressão de mudanças e de um verniz de participação popular, quando de fato mantêm a dominação capitalista. É necessário superar radicalmente a ordem institucional da política burguesa, incorporando mecanismos de democracia direta nos locais de moradia e trabalho da população, para que se garanta efetivamente a participação das entidades populares na formulação das políticas sociais e do direcionamento exclusivo das verbas públicas para a solução dos problemas vividos pela população no seu dia a dia.

Além disso, é preciso lutar por formas consequentes de participação popular, tais como a garantia de acesso das organizações populares às tribunas parlamentares; direito de cassação direta de mandatos; ampliação das consultas populares, com plebiscitos e referendos; ampliação do direito à iniciativa legislativa popular; igualdade de condições entre os partidos na distribuição do tempo de propaganda gratuita, do fundo partidário e no financiamento público de campanhas.

O PCB é radicalmente contrário ao financiamento privado nas eleições, pois as candidaturas ficam completamente atreladas aos interesses das empresas financiadoras. O capital financeiro, as empreiteiras, o agronegócio e as grandes empresas distribuem suas doações entre os partidos e coligações da ordem (PT, PSDB, PMDB, PSB, etc), para garantir que seus interesses particulares e lucros escorchantes sejam reproduzidos continuamente, caso saiam vitoriosos quaisquer dos candidatos dessas coligações. Não temos qualquer ilusão de que a exclusividade da utilização de recursos públicos nas campanhas evitará o financiamento privado de empreiteiras e empresas com interesses na prestação de serviços a entes públicos ou que dependem de regulamentação e outros benefícios públicos. No entanto, entendemos que a iniciativa pode reduzir a promiscuidade hoje reinante entre os grupos econômicos e os agentes políticos.

Outro tema defendido pelo PCB é o da lista fechada nas eleições proporcionais. Esta é uma bandeira histórica dos comunistas, na perspectiva de que o coletivo partidário está acima das personalidades. Na nossa concepção, os eleitores devem votar em ideias, princípios, programas e não em personalidades. Trata-se de uma mudança que fortaleceria os partidos políticos e garantiria a fidelidade partidária, já que os mandatos pertenceriam aos partidos. Uma vez introduzida essa mudança, os eleitos serão os candidatos listados na ordem decidida pelos partidos. No caso de o parlamentar mudar de partido, perde seu mandato, assumindo o próximo indicado na lista. Há países em que os partidos podem inclusive substituir um parlamentar em exercício de mandato, em caso de infidelidade partidária.

Diante do quadro atual de acirramento das contradições na sociedade brasileira, em que os seguidos escândalos de corrupção, tráfico de influência, manipulação, fraudes, uso da máquina pública, promiscuidade na relação público/privado e todas as degenerações políticas inerentes ao capitalismo expõem os problemas inerentes à chamada democracia burguesa, o PCB considera que é preciso avançar na luta pelo Poder Popular.

No momento de crescimento do pensamento conservador no Brasil e no mundo, inclusive através de manifestações abertas da direita fascista, entendemos ser papel das organizações de esquerda e dos movimentos sociais combativos fazer avançar a luta anticapitalista, ocupando todos os espaços possíveis de participação popular, como forma de construção política e caminho de elaboração de um programa profundo de transformações sociais. A ausência dos revolucionários em quaisquer espaços de luta reforça a ideia do senso comum segundo a qual a política se restringe às alternativas da ordem e que não há solução fora do capitalismo. Nossa presença é importante e incômoda, seja para as classes dominantes e a direita mais raivosa, seja para os reformistas que veem suas verdades serem questionadas. Só há um caminho: fortalecer a auto-organização e a mobilização dos trabalhadores em defesa de seus direitos e de seus interesses históricos, no rumo da construção do Poder Popular e do Socialismo.

Novembro de 2014

COMISSÃO POLÍTICA NACIONAL DO PCB

Partido Comunista Brasileiro

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Comissão reconhece 434 mortes e desaparecimentos durante ditadura militar


                                                                       


O relatório final da Comissão Nacional da Verdade foi entregue hoje em cerimônia oficial no Palácio do Planalto à presidente Dilma Rousseff. Dividido em três volumes, o relatório é o resultado de dois anos e sete meses de trabalho da Comissão Nacional da Verdade, criada pela lei 12528/2011.

Instalada em maio de 2012, a CNV foi criada para apurar e esclarecer, indicando as circunstâncias e a autoria, as graves violações de direitos humanos praticadas entre 1946 e 1988 (o período entre as duas últimas constituições democráticas brasileiras) com o objetivo de efetivar o direito à memória e a verdade histórica e promover a reconciliação nacional.

Para isso, a CNV adotou preceitos internacionais e delimitou que as graves violações de direitos humanos são as cometidas por agentes do Estado, a seu serviço ou com a conivência/aquiescência estatal, contra cidadãos brasileiros ou estrangeiros.

São graves violações de direitos humanos: as prisões sem base legal, a tortura e as mortes dela decorrentes, as violências sexuais, as execuções e as ocultações de cadáveres e desaparecimentos forçados. Praticadas de forma massiva e sistemática contra a população, essas violações tornam-se crime contra a humanidade.

Ao longo de sua existência, os membros da CNV colheram 1121 depoimentos, 132 deles de agentes públicos, realizou 80 audiências e sessões públicas pelo país, percorrendo o Brasil de norte a sul, visitando 20 unidades da federação (somadas audiências, diligências e depoimentos).

A CNV realizou centenas de diligências investigativas, entre elas dezenas de perícias e identificou um desaparecido: Epaminondas Gomes de Oliveira, um camponês que militava no Partido Comunista e morreu numa dependência do Exército em Brasília, cidade onde foi enterrado longe da família.

Para tornar mais acurados os relatos de graves violações de direitos humanos, a CNV percorreu, entre novembro de 2013 e outubro de 2014, acompanhada de peritos e vítimas da repressão, sete unidades militares e locais utilizados pelas Forças Armadas no passado para a prática de torturas e outras graves violações de direitos humanos.

Esses sete locais visitados estão listados no primeiro de oito relatórios preliminares de pesquisa publicados pela CNV entre fevereiro e agosto de 2014.

A CNV visitou ainda a Casa Azul, um centro clandestino de tortura que o Exército manteve dentro de uma unidade do DNER (atualmente a área é do DNIT), em Marabá. Os relatórios e estas diligências, além de servirem como prestação de contas do trabalho da CNV em diversos temas, ajudaram, e muito, a divulgar o papel da comissão para toda a sociedade.

VOLUME I – As atividades da CNV, as graves violações de direitos humanos, conclusões e recomendações

O primeiro volume do relatório enumera as atividades realizadas pela CNV na busca pela verdade, descreve os fatos examinados e apresenta as conclusões e recomendações dos membros da CNV para que os fatos ali descritos não voltem a se repetir. O volume é assinado coletivamente pelos seis membros do colegiado: José Carlos Dias, José Paulo Cavalcanti Filho, Maria Rita Kehl, Paulo Sérgio Pinheiro, Pedro Dallari e Rosa Cardoso.

O volume I se divide em cinco partes e 18 capítulos. A primeira parte contém dois capítulos que tratam da criação da comissão e das atividades da CNV.

Em seguida, na parte II, em mais quatro capítulos, o relatório final aborda as estruturas do Estado empregadas e as graves violações de direitos humanos. É nesta parte do relatório que são contextualizadas as graves violações, apresentadas as estruturas repressivas e seus procedimentos, a atuação da repressão no exterior e as alianças repressivas no cone sul e a Operação Condor.

Na parte III, o volume I do relatório traz os métodos e práticas de graves violações de direitos humanos. Em seis capítulos elas são conceituadas e explica-se como cada uma delas foi aplicada no Brasil no período ditatorial. Na apresentação do volume, os membros da CNV alertam: "Evitamos aproximações de caráter analítico, convencidos de que a apresentação da realidade fática, por si, na sua absoluta crueza, se impõe como instrumento hábil para a efetivação do direito à memória e à verdade histórica".

O relatório, na sua quarta parte, em cinco capítulos, trata de casos emblemáticos, da Guerrilha do Araguaia, das instituições e locais associados com as graves violações. É nesta parte que a CNV dedica um capítulo exclusivamente sobre a autoria das graves violações de direitos humanos, indicando nomes de mais de 300 agentes públicos e pessoas a serviço do Estado envolvidas em graves violações de direitos humanos. Neste capítulo também é analisado o papel do poder judiciário na ditadura.

A quinta parte do volume I traz as conclusões dos seis membros da CNV sobre o que foi apurado e as recomendações do colegiado para que não se repitam as graves violações de direitos humanos em nosso país.


VOLUME II – Textos Temáticos

O segundo volume do relatório final da Comissão Nacional da Verdade reúne um conjunto de nove textos produzidos sob a responsabilidade de alguns membros da CNV. Parte desses textos têm origem nas atividades desenvolvidas em grupos de trabalho constituídos no âmbito da Comissão, integrando vítimas, familiares, pesquisadores e interessados nos temas investigados pelos GTs.

Neste bloco, o relatório trata, portanto, de graves violações de direitos humanos em segmentos, grupos ou movimentos sociais. Sete textos mostram como militares, trabalhadores organizados, camponeses, igrejas cristãs, indígenas, homossexuais e a universidade foram afetados pela ditadura e a repressão e qual papel esses grupos tiveram na resistência.

É no volume II do relatório que é abordada também a relação da sociedade civil com a ditadura. Um capítulo analisa o apoio civil à ditadura, notadamente de empresários. Outro, a resistência de outros setores da sociedade às graves violações de direitos humanos.


Volume III – Mortos e Desaparecidos Políticos

O terceiro volume é integralmente dedicado às vítimas. Nele, 434 mortos e desaparecidos políticos têm reveladas sua vida e as circunstâncias de sua morte, "tragédia humana que não pode ser justificada por motivação de nenhuma ordem", como afirma a apresentação do relatório final da CNV.

"Os relatos que se apresentam nesse volume, de autoria do conjunto dos conselheiros, ao mesmo tempo que expõem cenários de horror pouco conhecidos por milhões de brasileiros, reverenciam as vítimas de crimes cometidos pelo Estado brasileiro e por suas Forças Armadas, que, no curso da ditadura, levaram a violação sistemática dos direitos humanos à condição de política estatal", afirmam os membros da CNV no relatório.

Cada biografia informará ainda sobre o andamento dos procedimentos de investigação da Comissão Nacional da Verdade sobre cada um dos casos.

Este volume está ainda em processo de diagramação, e a versão na forma definitiva será publicada nos próximos dias, substituindo o arquivo a seguir.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Pergunta atual: Para onde vai Cuba?

                                                          

“Cuba não está a propor-se um socialismo de mercado”

Rosa Miriam Elizalde


Em 2011 Cuba aprovou o guião de um processo de “actualização económica” que inclui a reconhecimento de sectores de propriedade privada, cooperativa e mista (com capital estrangeiro), ao mesmo tempo que afirma o objectivo de manter o carácter socialista do seu modelo de desenvolvimento. Esta entrevista propõe-se fazer um balanço dos passos dados desde então.


José Luis Rodríguez, ministro da Economia de Cuba entre 1995 e 2009, é dos poucos peritos da Ilha que mantém publicamente uma análise sistemática e rigorosa, a partir de posições socialistas, sobre as transformações que agitam a Ilha. Num país que quase todos os dias acorda com um novo decreto na Gaceta Oficial que avança no sentido de mudanças estruturais do modelo económico, pouco se ouvem os funcionários explicando as medidas de forma acessível, enquanto no espaço digital - com uma altíssima capilaridade na Ilha apesar da débil infra-estrutura de Internet - floresce todo o tipo de análises especulativas, frequentemente puxando a brasa a propostas neoliberais.

Em qualquer caso, a economia é o tema dos temas no país. Cuba defronta-se com um dilema de ferro: ou actualiza, revê e reconstrói a sua estrutura económica ou a Revolução corre o risco de sucumbir perante a pressão combinada dos seus próprios erros e as agressões do bloqueio dos EUA, num momento delicadíssimo de reconfiguração do consenso de Washington face à Ilha.

Rodríguez, assessor do Centro de Investigações da Economia Mundial (CIEM), de Havana, responde a perguntas de La Jornada nas vésperas da última sessão plenária do ano no Parlamento cubano, que tem em agenda a análise dos resultados do chamado “processo de actualização” e os planos para 2015.

Para onde vai Cuba

– ¿Porquê actualização e não reforma económica?

– Pode dever-se a duas razões. Por um lado quis-se enfatizar que todas as mudanças que se estão a propor supõem a actualização de um modelo socialista, que se qualificou também como socialismo possível. Por outro lado, quis-se o distanciamento das reformas que - supostamente em nome de aperfeiçoar o socialismo - levaram à sua desaparição na Europa.

– ¿Qual é exactamente o modelo económico escolhido? ¿Para onde vai Cuba?

– O modelo de socialismo cubano escolhido pressupõe o aperfeiçoamento da sociedade que se construiu até aqui e tem vários traços fundamentais que reiteram a sua matriz socialista.

Em primeiro lugar mantém-se a propriedade social sobre os meios de produção fundamentais - quer dizer - os que são determinantes para o desenvolvimento do país. Estabelecem-se limites ao desenvolvimento da propriedade não estatal ao reduzir a sua capacidade de acumulação e assegura-se universal e gratuitamente a prestação de serviços sociais básicos.

Ao mesmo tempo, abrem-se espaços para a pequena propriedade privada - como auto-emprego ou trabalho por conta própria -, a propriedade cooperativa agro-pecuária e não agro-pecuária e as empresas mistas com capital estrangeiro. Parte-se assim do conceito de que outras formas de propriedade não estatal podem contribuir para o desenvolvimento do país, sem serem predominantes e se forem adequadamente enquadradas, quer dizer, sem que se convertam em preponderantes.

Esta é uma mudança significativa, mas chegou-se a ela partindo de que - por um lado - uma propriedade unicamente estatal não assegura o êxito do socialismo na fase de construção socialista em que nos encontramos; por outro lado, que durante anos se seguiu esse caminho e o balanço não foi favorável.

Por último, faz já tempo que a teoria marxista chegou à conclusão de que a existência de relações de mercado no socialismo obedece a um determinado grau de desenvolvimento no qual não pode socializar-se directamente o trabalho individual dos produtores, e que para o fazer são requeridas as categorias mercantis. Pelo que se impõe a necessidade de reconhecer essa realidade se queremos avançar para um desenvolvimento mais racional. 

Isso não significa que a presença das relações de mercado - no grau em que as mesmas sejam reconhecidas - não tenha que ser monitorizada e submetida ao controlo social para compensar os seus efeitos socialmente negativos. O anteriormente dito dá uma ideia de que nas nossas condições isto é o que pode assegurar-nos um desenvolvimento socialista possível de acordo com as circunstancias de subdesenvolvimento do desempenho da nossa economia, embora - desde logo – tal não seja nada simples.
                                                                           
¿Socialismo de mercado?

– A chamada cubanologia interpreta o que se está a verificar em Cuba como a “transição para uma economia socialista de mercado”, que necessariamente deve ser acompanhada de mudanças estruturais no sistema político do país. ¿ Que opinião tem sobre isso?

– Em relação à primeira, qualquer pessoa que estude a evolução histórica da experiência do chamado socialismo real claramente entenderá que nós não nos estamos a propor um socialismo de mercado.

Esta foi uma designação para qualificar as reformas económicas empreendidas nos anos 60 do século passado, que propiciaram uma ampla introdução de mecanismos de mercado em países como a Jugoslávia, a Hungria, e também na URSS com a Perestroika. ~

Essas reformas supunham que o mercado, na sua actuação, não era em nada contraditório com o socialismo, pelo que se ampliou cada vez mais a presença desses mecanismos para tornar mais “eficiente” a gestão económica, sem tomar em conta a conotação social dos mesmos e sem monitorizar e compensar os seus efeitos perversos. A historia demonstrou que do socialismo de mercado apenas ficou o mercado sem socialismo.

As criticas da cubanologia seguem a lógica de que se se introduz o mercado deve ir-se até às últimas consequências - quer dizer ao capitalismo - para conseguir uma eficiência superior. Daí que pressuponham eufemisticamente mudanças políticas que se modelem a essa tendência, o que não é outra coisa senão provocar o trânsito para o capitalismo. Por mais voltas que lhe queiram dar, é isso o que está no âmago das suas “recomendações”.

– Abundam os que exigem celeridade às mudanças e inclusivamente os que se pronunciam a favor de um “shock”. ¿É possível impor maior ritmo às transformações?

– Não pode perder-se de vista que - depois de muitos anos de Período Especial - as expectativas da população são muitas e em muitos casos muito intensas. Entretanto, a magnitude das mudanças que são requeridas no funcionamento da economia para satisfazer as necessidades da população é grande e de grande complexidade. Trata-se inclusivamente de implementar medidas acerca das quais não existe experiência entre nós, pelo que é necessário um período de prova para as validar e inclusivamente para avaliar não apenas o seu impacto económico, mas também o impacto sociopolítico, tendo em conta a grande importância dos factores subjectivos neste processo.

Uma decisão precipitada neste sentido pode comprometer o processo de actualização. Isto não significa que não se avance em tudo o que seja possível e que não comprometa os objectivos estratégicos a alcançar. Por exemplo, adoptaram-se decisões que flexibilizam a venda de habitações particulares, o acesso a instalações turísticas internacionais e admite-se a recontratação de reformados que podem – para além disso - cobrar um salário sem perder a sua pensão.

Em síntese, a afirmação do Presidente Raúl Castro de avançar sem pressas mas sem pausas penso que tem total validade.

É difícil precisar ritmos de mudança na economia.

– ¿Onde é que a mudança esperada ao serem aprovados há dois anos e meio os Delineamentos não se produziu?

– Em primeiro lugar é preciso recordar que os Delineamentos têm um período de implementação de 5 anos, ou mais em alguns casos, pelo que muitos dos impactos esperados no cronograma de aplicação podem ainda encontrar-se em processo de realização.

Por outro lado, a concretização de resultados na economia cubana - que tem um nível de abertura superior a 47%, pelo que depende muito do que ocorra na economia internacional - está submetida a um elevado nível de incerteza. Se a esta realidade acrescentamos a presença do bloqueio económico dos Estados Unidos, é muito difícil conseguir uma elevada precisão nos ritmos de mudança na economia.

Adicionalmente há medidas que originalmente foram plasmadas sob determinadas premissas e que ao longo do tempo tiveram que ser complementadas com outras decisões. Um exemplo está na entrega de terras devolutas para a produção agro-pecuária, que foi regulada originalmente pelo Decreto-lei 259 e foi depois complementada com o Decreto-lei 300, bem como por uma outra série de medidas para facilitar a gestão do sector. Também a experimentação de novas formas de gestão do poder popular nas províncias de Artemisa e Mayabeque se prolongou no tempo para além do prazo original, a partir da análise das experiências da sua complexa implementação.

– ¿Que benefícios se recolhem das transformações iniciadas em 2011?

– O ordenamento do modelo económico cubano teve necessariamente de começar pelas grandes decisões que modificam a estrutura de gestão na macroeconomia, pelo que – logicamente - é nessa esfera que podemos apreciar alguns importantes resultados.

Se nos remetemos para os problemas mais significativos que os Delineamentos da Política Económica e Social recolhem, observaremos que estes são o desequilíbrio financeiro externo e a baixa produtividade que se verifica no país.

No primeiro aspecto observa-se como de um saldo comercial negativo em relação ao PIB que era de -5% em 2008, se passou a um saldo positivo de +1,6% em 2013 graças à expansão das exportações, à substituição das importações e à poupança.

Por outras palavras, o saldo positivo do comercio exterior contribui com recursos que permitem iniciar um processo gradual de renegociação e pagamento da dívida externa. Neste último aspecto aprecia-se como se obteve recentemente o perdão de 90% da dívida da antiga URSS com a Rússia - dívida inscrita no Clube de Paris - e também se conseguiu o perdão de 70% da dívida com o México, ao mesmo tempo que se dedicou um volume substancial de recursos a liquidar os endividamentos externos a partir do ano de 2009.

Tudo isto é de importância estratégica, pois permite criar melhores condições para ampliar o investimento estrangeiro, elevar a taxa de investimento do país e aumentar os ritmos de crescimento até alcançar em poucos anos valores na ordem dos 6 a 8%.

No que diz respeito à produtividade do trabalho, esta cresceu 7,8% nos últimos 5 anos, ritmo que embora acabe por não ser muito elevado permitiu na última etapa que este indicador tenha crescido mais rapidamente do que o salario médio, de forma a evitar pressões inflacionárias.

Não obstante, fica muito por fazer até se conseguir um crescimento equilibrado e auto-sustentável, mas isso também requer tempo e recursos.

Fim da dupla moeda, ajustamento cauteloso

– A maioria da população não verifica ainda melhoras na microeconomia ¿como manter o consenso em tais circunstâncias?

– Todo processo de ajustamento económico – mesmo quando seja feito com critérios essenciais para preservar o alcançado pela nossa sociedade - enfrenta desafios inevitáveis a curto prazo.

Provavelmente um dos maiores desafios radica em como realizar as mudanças estruturais indispensáveis para que o país se desenvolva e, ao mesmo tempo, conseguir melhorias no nível de satisfação das necessidades da população, que - como já se indicou - acumulam carências próprias do Período Especial.
                                         

Algumas decisões adoptadas apontam nessa direcção. Por exemplo, o processo de reestruturação das empresas estatais permite que as mesmas ajustem o pagamento dos salários aos resultados produtivos o que - onde foram aplicadas as medidas propostas - possibilitou incrementar substancialmente os salários sem provocar pressões inflacionarias, e que potencialmente abre novas alternativas aos 49% dos empregados no sector estatal que trabalham em empresas.

A situação é mais complexa no sector dependente do Orçamento do Estado, mas também - sem afectar o indispensável equilíbrio fiscal - foram elevados os salários no sector da saúde e aos desportistas. De igual modo, no sector não estatal da economia – que corresponde a cerca 26% do emprego - se obtêm rendimentos mais elevados.

Não obstante, apesar destes avanços e das potencialidades que se verificam, a deterioração do salario real e as restrições à expansão de serviços como o transporte e a construção de habitação constituem factores a tomar em conta na luta pelo indispensável equilíbrio que se deve ir alcançando entre a satisfação das expectativas e a criação de condições para as satisfazer.

Juntamente com esse avanço, necessariamente gradual, deve conseguir-se um maior nível de informação e participação dos trabalhadores em todo este processo, o que constitui - na minha opinião - um elemento essencial para manter o indispensável consenso.

– ¿Qual é o peso da unificação monetária no êxito global da transformação da economia em Cuba?

– A dualidade monetária que levou à circulação paralela do peso cubano (CUP) e do peso convertível (CUP), que foi implementada em 1993, permitiu evitar uma desvalorização da taxa de câmbio oficial que – a ter-se efectuado - teria conduzido a uma situação muito difícil de controlar. Igualmente, no sector empresarial permitiu implementar em paralelo um processo de descentralização na tomada de decisões que hoje, à distancia que nos separa dos anos 90, podemos avaliar positivamente.

A dualidade monetária permitiu também - mediante a criação das Casas de Câmbio (CADECA) - drenar uma parte significativa do excesso de liquidez que se acumulou nas mãos da população nesses anos e que chegou a 73% do PIB. Ao mesmo tempo abria-se um consumo em divisas - também onerado por um imposto sobre a venda - para que ao menos a parte da população que tinha acesso à mesma, que chegou a estimar-se em aproximadamente 60% da população no final da década passada.

Todos estes impactos positivos se foram perdendo na mesma medida em que a dupla circulação monetária e a dupla taxa de câmbio associada a esta foi tornando cada vez mais complexa a gestão da contabilidade em duas moedas, o que tornava muito difícil de conhecer a situação económica real no país.

Portanto, um processo de mudanças como o actual tem como requisito indispensável ordenar a nossa contabilidade e as estatísticas retornando a um sistema monetário único com o peso cubano como centro.

Não obstante, trata-se de um processo de elevada complexidade que levará necessariamente um determinado tempo, já que se trata de desvalorizar a taxa de câmbio oficial que se mantém hoje em 1 CUP=1 CUC o peso convertível (equivalente a um USD) e fazer convergir a taxa de câmbio entre o Estado e a população, onde se cambia 1 CUC = 25 CUP. É sem dúvida uma operação na qual, para se ter sucesso, é necessário avançar cautelosamente.

Na actualidade trabalha-se no grupo de transformações de maior complexidade no quadro de uma conjuntura externa não favorável. Não obstante, o guião que foi traçado com os Delineamentos aprovados em 2011 assegura as mudanças indispensáveis para avançar estrategicamente na criação de condições para um desenvolvimento sustentável a médio prazo.

Fonte: La Jornada, 21 Novembro 2014

Enviado por tortilla en Vie, 11/21/2014 - 17:25

http://www.tortillaconsal.com/albared/node/4957

http://lapupilainsomne.wordpress.com/2014/11/21/jose-luis-rodriguez-cuba…

Resolução do XVI Encontro de Partidos Comunistas e Operários realizado no Equador

                                         


 Em solidariedade com as lutas da classe operária e dos povos da América Latina 

Nós, Partidos Comunistas e Operários reunidos em Guayaquil, no XVI Encontro, expressamos nossa solidariedade internacionalista com as lutas dos trabalhadores e dos povos da América Latina por seus direitos, contra a exploração capitalista, contra as intervenções imperialistas.

Reiteramos, em particular, nossa solidariedade com o povo de Cuba socialista, contra o bloqueio imperialista, a “Posição Comum” da UE, as diversas intervenções dos EUA. Demandamos a liberdade dos três cubanos revolucionários encarcerados nos EUA.

Na América Latina, assim como no resto do mundo, a classe operária está enfrentando o ataque do capital que, para assegurar sua rentabilidade, toma medidas para subestimar o trabalho, intensificar a exploração e saquear os recursos naturais.

Com a plena coordenação dos monopólios se lançam novas iniciativas e acordos que reforçam o capitalismo em sua fase imperialista, com uniões interestatais que não servem às necessidades da classe operárias e dos setores populares. Os monopólios da mineração se assentam com a superexploração para a classe operária e despojo das terras dos camponeses.

O conflito capital/ trabalho se aprofunda e, simultaneamente, vão se manifestando os limites das gestões alternativas do capitalismo. Nelas, foram reforçados os benefícios do capital, enquanto as políticas assistencialistas em definitivo não resolveram os problemas profundos que afetam a classe operária, demonstrando que apenas são dirigidas a conter a luta de classes. É muito claro que em vários países do sul, em nome das gestões alternativas –como o progressismo – são produzidas reestruturações destinadas a assegurar a continuidade do capitalismo.

Em vários países, sobretudo na Venezuela, Bolívia e Equador, estão aumentando as intervenções e os planos de desestabilização por parte dos centros imperialistas e das forças reacionárias. Ao mesmo tempo, as políticas governamentais não confirmam as expectativas do povo, o que leva ao enfraquecimento do apoio popular.

Atualmente, são desmentidas as posições do chamado “Socialismo do século XXI”. Portanto, é ainda mais importante estarmos solidários com os que lutam pela derrocada das relações capitalistas e do poder do capital.

Reiteramos nossa solidariedade com a luta das FARC-EP pela paz com justiça social, com os esforços do movimento popular da Colômbia para uma solução política ao conflito social e armado a favor do povo.

Denunciamos os assassinatos, as perseguições e as ameaças contra os lutadores do movimento popular, os mecanismos paramilitares, a existência de milhares de pessoas deslocadas, a caracterização das FARC-EP como uma organização terrorista.

Demandamos a liberdade dos presos políticos colombianos que se encontram nas masmorras de seu país e os que se encontram encarcerados nos EUA.

Condenamos o terrorismo de Estado que, no México, foi executado contra os estudantes de Ayotzinapa.

Denunciamos que o Paraguai está se transformando em uma plataforma estratégica da ação imperialista no Cone Sul.

Repudiamos a ocupação militar no Haiti por tropas de países sul-americanos, sob o comando do Brasil e que já dura mais dez anos.

No atual cenário, a força insubstituível das mudanças profundas e radicais é expressa pela classe operária e seus partidos de vanguarda, os partidos comunistas e operários.

Expressamos nossa solidariedade internacionalista aos partidos comunistas que enfrentam os ataques de mecanismos estatais e paraestatais, condenamos qualquer ameaça e manifestação de anticomunismo.

Expressamos nossa total solidariedade ao Partido Comunista do Equador, frente àqueles que buscam sucedê-lo, suplantando suas siglas.

Partido Comunista Brasileiro (PCB)

Partido Comunista na Dinamarca

Partido Comunista do Equador

Partido Comunista da Grécia (KKE)

Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia

Partido Comunista Húngaro

Partido dos Trabalhadores da Coréia

Frente Popular Socialista da Lituânia

Partido Comunista do México

Partido Comunista da Noruega

Partido Comunista Palestino

Partido Comunista dos Trabalhadores da Rússia (RKRP)

União dos Partidos Comunitas (CPSU)

Partido Comunista dos Povos de Espanha (PCPE)

Partido Comunista Sírio (Unificado)

Partido Comunista da Turquia