Ivan Pinheiro (*)
A imprensa vem noticiando o início das negociações políticas, na cidade de Havana, com vistas à solução do conflito colombiano. O presidente Santos anunciou formalmente os entendimentos, que envolveriam os governos cubano e venezuelano, com a sinalização da Noruega de aceitar sediar o diálogo.
Mas antes de comemorar a notícia é preciso aguardar os desdobramentos, ouvir a opinião da insurgência, dos governos citados. As classes dominantes colombianas são ardilosas. Os entendimentos estão ainda numa fase de prospecção.
De qualquer maneira, é verossímil que a negociação se efetive. Como internacionalistas, devemos contribuir para isso, inclusive pressionando o governo brasileiro a se somar à iniciativa e a Unasul a avocar o assunto, antes que caia no âmbito da OEA, onde pontifica a indesejável presença dos EUA. Sem um expressivo respaldo internacional, este processo não irá a lugar nenhum.
Até agora só quem havia dado sinais de disposição para o diálogo político eram as FARC, em seguidos comunicados públicos e gestos, como a libertação unilateral de presos políticos, sem a contrapartida da libertação de um só dos cerca de 7.000 militantes presos sob a custódia estatal. Todos os observadores sérios da cena política colombiana sabem que não há solução militar para este conflito que já dura meio século e tem origem em causas políticas e sociais. Recente relatório da ONU revela que a Colômbia, em matéria de desigualdade social, só perde na América Latina para Guatemala e Honduras.
Mas não devemos nos iludir com a campanha que tenta mostrar Santos como um democrata pacifista, aproveitando-se de seu “discreto charme da burguesia”, como oligarca de berço, membro da família Santos, dona do maior império de comunicação do país. Comparam-no com o estilo tosco, medíocre e grosseiro de Uribe, cujo currículo é um prontuário de crimes ligados ao narcotráfico e às milícias. Uribe recebeu das oligarquias oito anos de mandato para acabar com a insurgência, sete bases norte-americanas, bilhões de dólares, equipamento militar de última geração, assessoria da CIA e da MOSSAD. Mas não adiantou. Seu discurso arrogante caiu no ridículo.
Não nos esqueçamos de que Santos foi Ministro da Defesa de Uribe, na fase mais agressiva do estado colombiano, que coincidiu com o assassinato de Raul Reyes, ao preço da invasão do espaço aéreo equatoriano. Ambos são agentes do imperialismo norte-americano e da oligarquia colombiana.
Não foi Santos que mudou; foi a conjuntura. As classes dominantes colombianas já há algum tempo se dividem entre os que querem a continuidade ou o fim do conflito. Os primeiros são os que ganham com a “ajuda militar” dos EUA, o paramilitarismo, o comércio de armas e drogas; os segundos são os que precisam de um ambiente político estávelpara não atrapalhar o desenvolvimento de seus negócios, para atrair investidores estrangeiros.
Ocorre que fracassou a prometida vitória militar sobre a guerrilha, a despeito da maior ofensiva que o estado colombiano já lhe moveu e dos duros golpes que sofreu com a morte de importantes comandantes. A insurgência, no lugar de se enfraquecer, mantém suas sólidas posições militares e políticas e seu enraizamento no seio da massa campesina que lhe abraça nas fronteiras do vasto território em que luta e domina.
Além do mais, viceja na Colômbia o mais importante, unitário e amplo movimento de massas das últimas décadas, em toda a America Latina. A Marcha Patriótica faz a diferença. A dois meses de sua fundação, já articula cerca de 2.000 movimentos populares, de camponeses, indígenas, afrodescendentes, trabalhadores urbanos, mulheres, jovens, com uma hegemonia proletária. Só o povo em luta pode garantir a efetivação dos entendimentos e principalmente resultados concretos a seu favor, sem os quais não haverá armistício.
E aqui reside uma das maiores dificuldades, que só poderá ser superada com o avanço cada vez maior da Marcha Patriótica e a solidariedade internacional. As FARC e a ELN jamais aceitarão a paz dos cemitérios. A burguesia sabe que só haverá solução para o conflito se isso representar reais mudanças políticas e sociais a favor do povo, entre as quais o fim do terrorismo de estado, dos paramilitares, a libertação dos presos, o fim do despejo dos camponeses de suas terras, uma reforma agrária verdadeira, ou seja, uma mudança radical do sistema, o que só será possível com uma constituinte livre e soberana com participação popular. Sem este ator, a tentativa será frustrada.
Outra dificuldade é que a iniciativa de entendimentos terá certamente a oposição do imperialismo, notadamente o norte-americano, que não tem qualquer interesse em perder um motivo para construir mais bases militares, além das instaladas no governo Uribe/Santos, e muito menos abandonar seu projeto de atribuir à Colômbia, na América Latina, o papel que Israel desempenha no Oriente Médio.
E por fim, para que não esqueçamos as lições da história, sabemos que a insurgência não entregará suas armas e suas vidas para saciar a fome de sangue e vingança das classes dominantes. O extermínio de mais de 4.000 militantes da União Patriótica, na primeira metade da década de noventa do século passado, após um “acordo de paz” traído, ainda está vivo na memória de todos.
Só com muitas garantias internacionais e mudanças reais a favor do povo é que haverá paz militar na Colômbia a partir desta mesa de negociações. Caso contrário, ela será conquistada pelo povo colombiano, a maior vítima do conflito, que não vacilará em se valer das formas de luta que a realidade impuser.
Em qualquer caso, a luta continuará. O fim do estado de beligerância é positivo; mas não será o fim da luta de classes.
(*) Ivan Pinheiro é Secretário Geral do PCB (Partido Comunista Brasileiro)
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