Reprodução da internet
Hélio Doyle (*)
Ao escancarar uma realidade muito pouco conhecida até mesmo pelo cidadão médio dos Estados Unidos, a Netflix incorreu na ira de um dos mais poderosos grupos de pressão daquele país: as organizações políticas, com base na Flórida, que desde 1959 lutam, com ações armadas e atos terroristas em Cuba e poderoso lobby político em Washington, pela derrubada do regime socialista cubano.
Os líderes dessas organizações não gostaram nem um pouco de se ver nas telas de todo o mundo como terroristas e traficantes de drogas e armas. Por isso, têm feito de tudo para obrigar a Netflix a retirar de sua programação o filme “Wasp Network”, ou “Rede Vespa”, dirigido pelo francês Olivier Assayas e baseado no livro “Os últimos soldados da Guerra Fria”, escrito pelo jornalista e escritor brasileiro Fernando Morais.
O livro, detalhadamente, e o filme, nos limites de uma adaptação cinematográfica, relatam a história de agentes da inteligência cubana que se infiltraram nas organizações de exilados na Flórida para tentar impedir que executassem atos terroristas em Cuba.
A rede “Vespa” foi desbaratada pelo FBI e cinco de seus agentes, acusados injustamente de espionagem contra os Estados Unidos, cumpriram longas penas de prisão e voltaram a Cuba.
Censura
“A comunidade exilada de Cuba exige que a Netflix retire o filme da plataforma porque defende espiões assassinos de Castro condenados nos Estados Unidos”, diz o abaixo assinado que pede a censura. Nas redes sociais, os cubanos-americanos contrários ao regime protestam vigorosa e agressivamente contra o livro e o filme.
“Eles estão em polvorosa, estão falando de mim coisas que nem bolsonaristas falam”, conta Fernando Morais. Dizem que “de um livro de merda só se poderia esperar um filme de merda”.
Morais considera o filme equilibrado e fiel aos fatos que investigou durante três anos para escrever o livro, com pesquisas e entrevistas em Cuba e nos Estados Unidos, “incluindo arquivos do FBI e do serviço secreto cubano”. “Tem uma frase no começo, que fala em regime totalitário em Cuba, que é opinião do roteirista ou do diretor”, ressalva Morais. “O resto são fatos documentados”.
Para o escritor, o grande mérito do filme, e o que mais incomoda aos anticastristas, é que “pela primeira vez em 60 anos, milhões de pessoas nos Estados Unidos ouvem falar que a comunidade cubana na Flórida não é uma cruzada de honestos anticomunistas que lutam pelas liberdades”.
“A imagem que eles vendiam era de uns coitadinhos que foram perseguidos, vítimas das crueldades do regime cubano”, diz Morais, “mas de uma hora para outra veem um filme baseado em uma reportagem com depoimentos e documentos, nomes e sobrenomes, e descobrem que ali não há um santuário de bonzinhos, mas uma quadrilha de traficantes de armas e drogas e de terroristas”.
Segundo Morais, a atmosfera de terror criada contra o filme e o livro é comum na Flórida, “o velho normal da comunidade cubana em Miami”, que ameaça os que se opõem às suas práticas e que já teve como vítima o jornalista estadunidense Larry Rother, que foi correspondente do New York Times no Brasil. Quando era chefe do escritório do jornal na Flórida, Rother teve sua casa metralhada e os freios do carro cortados.
“Para a comunidade anticastrista da Flórida tudo que não for uma denúncia do regime castrista é considerado propaganda comunista”, observa Morais, que ironiza: “Quando viram o filme enlouqueceram, pois o tal do streaming cria uma dificuldade adicional, não dá pra ir para a porta do cinema protestar e jogar ovo e tomate podre”.
(*) Hélio Doyle é Conselheiro e diretor da ABI em Brasília
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