Matheus Tagé/DL
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Filha dos militantes comunistas Olga Benário Prestes e Luís Carlos Prestes, Anita Leocádia Prestes lança livro que aborda os arquivos da Gestapo sobre sua mãe, assassinada em 1942, aos 34 anos
Bruno Gutierrez
Anita Leocádia Benário Prestes nasceu na enfermaria de uma prisão em Berlim, na Alemanha. Filha de Olga Benário Prestes, marcante militante comunista alemã presa, torturada e morta pelo regime nazista, e de Luís Carlos Prestes, outro grande nome do comunismo no Brasil, a historiadora, hoje com 80 anos, conviveu apenas 14 meses com a mãe, antes de ser levada da prisão por sua avó, Leocádia Prestes e sua tia, Lygia.
Anita teve sua vida ligada à causa dos pais. Também militante, chegou a se exilar na União Soviética na década de 70, chegando a ser julgada à revelia pelo Conselho Permanente de Justiça para o Exército e sendo, posteriormente, beneficiada pela Lei da Anistia.
Durante sua vida, escreveu diversos livros sobre seu pai e a Coluna Prestes. No entanto, ainda não havia escrito sobre a mãe por crer que não havia sentido escrever mais sobre o que já havia sido dito sobre a curta vida de Olga, assassinada aos 34 anos.
Mas, com a divulgação dos arquivos secretos da Gestapo (polícia secreta da Alemanha nazista), Anita encontrou cerca de 2 mil documentos e oito dossiês sobre Olga Benário Prestes. Estes documentos deram origem a primeira obra da filha sobre a mãe: “Olga Benario Prestes. Uma Comunista nos Arquivos da Gestapo” (Ed. Boitempo, 2017).
Anita esteve ontem na Associação Cultural José Martí da Baixada Santista, em Santos, para o lançamento do livro. Em entrevista ao Diário do Litoral, a historiadora conta sobre o trabalho realizado para a construção da obra sobre Olga.
Diário do Litoral – Como foi o desenvolvimento do livro? Como você chegou até os arquivos da Gestapo?
Anita Prestes – Sobre minha mãe, Olga Benário Prestes, ela já era mais ou menos conhecida no Brasil na medida em que houve, em 85, o lançamento do livro “Olga”, do Fernando Morais, que repercutiu muito na época e passou por várias edições. Ele, embora não seja historiador mas jornalista, fez uma boa reportagem, com um trabalho grande de pesquisa. Entrevistou bastante gente que conheceu minha mãe e estava viva naquela época. Consultou diversos arquivos no Brasil e no exterior e resultou numa biografia bastante confiável. Inclusive, meu pai achava que tinha alguns “senões” como sempre, mas no fundamental é um livro bastante bom.
Despois houve, em 2004, o lançamento do filme “Olga”. Aí, sem dúvida, uma obra muito mais superficial, romântica, em que a política e história passa muito por alto, mas que de qualquer maneira serviu para divulgar a história. Mais 4 milhões de brasileiros assistiram a esse filme. Foi uma repercussão bastante grande. Até frequentemente em lançamento de outros livros, em eventos que eu participava, me perguntavam: “Você escreve sobre seu pai, mas não escreve sobre sua mãe?”. E eu respondia que não tenho idade para escrever.
O que tinha para escrever – já que ela teve uma vida muito curta, foi assassinada aos 34 anos, então não tem outras coisas para expor. Para ficar repetindo as mesmas coisas, não teria sentido. Cheguei a escrever alguns artigos de divulgação, mas livro não tinha cabimento. Até que agora, em 2015, me avisaram que tinham disponibilizado na internet esse arquivo da Gestapo. A Gestapo foi a polícia secreta da Alemanha Nazista. Esse arquivo foi apreendido pelas tropas soviéticas quando tomaram Berlim em maio de 1945 e levado para a União Soviética. Não sei porque razão, ficou fechado durante todos esses anos.
Não tinha nenhuma notícia sobre acesso, que fosse possível fazer pesquisa, nem da existência desses arquivos. Na União Soviética não se tinha notícia. E agora, há poucos anos atrás, foi assinado um convênio entre o governo da Alemanha e o governo da Rússia, no sentido de digitalizar essa documentação, que é enorme, e disponibilizar na internet. E foi aberto a partir de abril de 2015. Eu fui avisada por um colega alemão e, realmente, é um material enorme que abrange todo movimento comunista internacional da época, Primeira e Segunda Guerras Mundiais. Para quem faz pesquisa histórica é um material riquíssimo, com um problema, pois a grande maioria dos documentos está em alemão. Eu, por exemplo, não sei alemão.
Então, tem essa dificuldade. Mas eu consegui montar uma equipe de professores de alemão e que fizeram um trabalho, durante um ano traduziram essa documentação referente a Olga. É o maior arquivo de uma pessoa, individualmente, que se encontra nesse arquivo da Gestapo. Tem arquivos sobre muitas outras pessoas. Aí, na medida que pude ir lendo e fichando esses documentos, surgiu a possibilidade de escrever esse livro. Tem muita informação que era inédita, que o Fernando Morais não tinha, e nem nós mesmos da família porque o regime nazista era muito fechado.
Eles tinham a preocupação, inclusive isso transparece na documentação, de que nada transpirasse para o exterior. Então, isso dificultava. Minha mãe não podia escrever porque a censura era rigorosíssima. As cartas não eram enviadas, ou quando eram enviadas tinham que falar sobre coisas corriqueiras, banais. Não podia informar nem o que ela estava fazendo, como era a vida dela, o trabalho escravo. Nada disso ela podia informar. Então, muita coisa a gente não sabia, e ficou agora como conhecimento através da documentação. Eles são bastante detalhistas, então a documentação é muito rica, interessante. Inclusive, tem algumas cartas que não foram enviadas, foram vetadas. Essas cartas inéditas eu publiquei nos anexos do livro.
Fiz um trabalho de comparar as cartas que nós já tínhamos (publicadas na obra “Anos Tormentosos”), com as que apareciam no arquivo. As inéditas, cerca de 17 cartas, eu reproduzi no livro. Inclusive, tem a primeira carta que ela manda para o meu pai informando a respeito do meu nascimento e que não saiu de lá. Eles não mandaram, ela ficou presa. Não sei se é porque estava escrita em francês e eles queriam que tivesse escrita em alemão. Ela ainda não sabia que tinha que escrever em alemão. Só sei que esta carta não foi mandada.
Diário – Você teve uma visão da sua mãe por meio de parentes. Essas cartas e arquivos trouxeram uma outra visão sobre a Olga?
Anita – Não, elas confirmaram o que a gente já sabia. Os arquivos trazem algumas informações que a gente não tinha. Inclusive, o motivo porque a Gestapo não deixou ela sair. Muitos prisioneiros, desde que houvesse algum país que desse asilo, eles deixam sair. Muita gente saiu. Então, por exemplo, minha avó e minha tia tinham essa esperança que conseguisse. Tinham três países que davam asilo, pagavam passagem, davam dinheiro. Todas as condições foram criadas para que ela pudesse sair para o México, Inglaterra ou União Soviética, e a Gestapo não deixou. Por que? Porque eles condicionavam a libertação dela a ela delatar companheiros, tanto da Internacional Comunista como do Partido Comunista Alemão.
Enquanto ela não desse esse tipo de informação, ela tinha que ser cada vez mais castigada, ao final assassinada, e não tinha a menor condição de sair. E ela sempre se recusou a dar esse tipo de informação. Inclusive, tem uma frase em que ela é confrontada em um dos interrogatórios e que ela diz: “Se outros se tornaram traidores, eu jamais o serei”. Eu coloquei essa frase como uma das epígrafes do livro porque é muito característico dessa intrepidez que ela revelou durante esses anos todos em que ela preferiu morrer ao delatar os companheiros.
Diário – Uma personalidade muito forte...
Anita – Ela teve muita firmeza, e antes de morrer passou por muita tortura, trabalho escravo... Esse campo de Ravensbrück, onde ela ficou, era um campo criado pelo (Heinrich) Himmler, um dos grandes chefes da Gestapo e o criador dos campos de concentração. Nesse campo, muitas mulheres saíram da Alemanha. Tinha, ao lado do campo, uma fábrica da Siemens. Uma empresa muita conhecida que existe até hoje, onde se produzia material de guerra e as mulheres do campo de concentração eram submetidas ao trabalho escravo. Ela trabalhou ali. Mas a gente não sabia porque ela não podia escrever isso e o ambiente era muito fechado. Nada transpirava na época.
Diário – O nazismo impediu você de ter o convívio com sua mãe. Qual o sentimento que fica?
Anita – O sentimento básico que fica é o perigo do fascismo, do nazismo, e a necessidade de resistir, de não permitir que isso se repita. Uma das minhas preocupações ao escrever esse livro é justamente isso. Divulgar mais, fazer com as novas gerações conheçam essa situação e, através da emoção, isso ajuda - o caso da Olga emociona muito, as pessoas a se mobilizarem e a entender que não se pode permitir que se repita fatos como esse. Foram milhões de pessoas assassinadas. A Olga é um caso.
Diário – O caso da sua mãe é emblemático também porque tem uma parte de culpa do governo brasileiro...
Anita – Com certeza. O principal responsável foi o governo brasileiro. Ela estava no Brasil e esperando um filho brasileiro. Pela legislação da época, ela tinha direito a permanecer no País. Mesmo assim, ela foi extraditada, inclusive, com beneplácito do Supremo Tribunal Federal.
Diário – Se você pudesse traduzir, em poucas palavras, quem foi Olga. Como você a descreveria?
Anita – Acho que ela era uma comunista que revelou grande intrepidez na luta. Basicamente, isso.
(Com o Diário do Litoral/Prestes a Ressurgir)
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