Luís Fernandes (*)
Há exatos 90 anos, na então sede da União dos Trabalhadores Gráficos (UTG) no Rio de Janeiro, era organizado o primeiro Congresso Nacional da União da Juventude Comunista. Concatenada com as orientações da Internacional Comunista, a UJC tinha como principal objetivo a organização da juventude trabalhadora na perspectiva da luta pelo socialismo.
O Brasil, em 1927, ainda era um país de baseado na agroexportação. Continha uma classe operária ainda não tão numerosa. Fora dos grandes centros urbanos como Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre e Recife, a massa juvenil não tinha acesso a direitos básicos sociais, trabalhistas e educacionais.
A herança escravista e colonial marca toda a estrutura social e política no Brasil, e, sem dúvida, a fundação e a luta desempenhada pelos comunistas brasileiros representaram sopros de renovação, modernidade e avanço social para o país.
A UJC é parte disso. Pela primeira vez na história do Brasil se organizava um movimento juvenil nacional e revolucionário. A primeira direção provisória da Juventude Comunista, majoritariamente, era composta por jovens proletários com menos de 20 anos de idade.
Foram indicados, como membros da direção, os jovens trabalhadores Jaime Ferreira, Elisio, Altamiro, Brasilino, Pedro Magalhães e os estudantes Artur, Manuel e Leôncio Basbaum (imagem). Basbaum, inclusive, foi indicado como primeiro secretário geral da UJC.
Apesar de grandes dificuldades, repressão estatal e enorme diversidade etária, cultural e relativa ao grau de instrução dos militantes, a juventude comunista pouco a pouco conseguiu construir uma intervenção nacional coerente e programática.
Os jovens comunistas organizaram os primeiros centros acadêmicos e diretórios acadêmicos do país, centros de jovens proletários nos bairros, construíram campanhas para fortalecer os sindicatos e participaram do V Congresso da Internacional da Juventude Comunista.
Além disso, ao longo dos seus 90 anos, a UJC acumula grandes conquistas para a juventude brasileira e os movimentos populares. Os jovens comunistas são protagonistas da fundação da União Nacional dos Estudantes (UNE), nos anos de 1950 constroem a campanha “O Petróleo é Nosso”, são membros fundadores da FMJD (Federação Mundial das Juventudes Democráticas).
Nos anos de 1960, defendem o projeto de Reforma Universitária nos marcos das reformas de base a fim de superar a exclusão do acesso de milhares de jovens à educação superior e em favor da construção de uma universidade a serviço do povo. Lutam ativamente pela transformação social do país e também participam da construção dos centros populares de cultura da UNE, os famosos CPCs.
Mesmo sob o terrorismo da ditadura empresarial e militar implantada em 1964, os jovens comunistas do PCB rearticularam o movimento estudantil nacional através da fundação das Executivas e Federações de curso, propuseram uma “UNE de massas” articulada ao amplo movimento de resistência, pioneiramente organizando os estudantes de escolas técnicas e participando das principais lutas gerais contra a ditadura.
Muitos são presos, torturados e assassinados, a exemplo do responsável pelo trabalho juvenil do PCB, José Montenegro de Lima, brutalmente torturado e assassinado pela ditadura. A repressão foi estratégica contra o PCB, a fim de eliminar seus dirigentes e militantes dedicados a trabalhos indispensáveis à sobrevivência e à atuação política do partido, sob as condições mais adversas, tais como: captação de finanças, gráficas, imprensa, bases operárias e juventude.
Apesar de todas as dificuldades e ameaças, os 90 anos da UJC devem ser muito comemorados não apenas por seus militantes. A Juventude Comunista é patrimônio da juventude rebelde e revolucionária brasileira. A UJC sempre esteve presente, com mais ou menos protagonismo, nas principais lutas e conquistas da juventude e dos trabalhadores. Mais do que isso, a UJC foi um centro formador de quadros comunistas: Leôncio Basbaum, Irun Sant`Anna, Leandro Konder, Zuleika Alembert, Carlos Marighella e João Saldanha foram alguns dos quadros formados na UJC.
Infelizmente, sabemos que estes feitos e contribuições são pouco conhecidos pela juventude e, até mesmo, por militantes de esquerda. A hegemonia petista na esquerda brasileira cooperou para uma cultura política anticomunista no interior das esquerdas e uma visão comum superficial sobre o período de predomínio político do PCB no movimento popular e sindical.
A verdadeira história que fica presa ao passado nada nos serve ou faz sentido para as massas; a boa história é aquela que serve de acúmulo, experiência e memória coletiva para as próximas gerações lutarem em prol da real libertação dos povos. Por isso é imprescindível um exame crítico de nossa história. No entanto, precisamos ir além. Os 90 anos e a gloriosa resistência de gerações de jovens comunistas só farão sentido se apontarmos para uma perspectiva revolucionária aos jovens brasileiros.
A Instabilidade Política, Ideológica e Organizativa
Por mais que tenhamos boas ideias, formulações e estratégias sofisticadas, são os seres humanos que fazem a história em circunstâncias pré-determinadas. Ao longo dos seus 90 anos, a UJC foi desativada diversas vezes, ora pela perseguição direta ao PCB, ora pela implacável repressão e cerceamento das liberdades democráticas na vida política brasileira.
A descontinuidade de núcleos dirigentes na história dos comunistas brasileiros foi um entrave importante para o desenvolvimento político e organizativo do PCB. O visceral anticomunismo, a constante repressão e assassinato de quadros, divergências nacionais e internacionais foram determinantes para que, até 1992, o PCB sofresse com uma enorme descontinuidade na sua condução política. Neste breve e esquemático pronunciamento, não será possível esmiuçar esta hipótese que, ao nosso ver, é uma das principais determinações para o enfraquecimento político e social dos comunistas no último século.
A instabilidade da UJC ajudou a refletir na ausência de um projeto de formação orgânica de quadros inseridos no movimento de massas, identificados com as principais causas e mazelas do povo trabalhador, com domínio geral da teoria revolucionária e do leninismo. E, mais do que isso, o trabalho de uma juventude comunista compreendida como um braço político do partido revolucionário é fundamental na perspectiva de unir a resistência da classe trabalhadora, tão heterogênea e multifacetada, aos perversos ataques do capitalismo.
A Perspectiva Revolucionária como resposta à Ofensiva Reacionária do Capital
Até o início do século, na maioria dos países, era possível apontar pequenas melhoras progressivas na qualidade de vida, acesso ao trabalho e a conquista de direitos sociais para partes significativas da população. Essa situação foi produto de um século, como diria Hobsbawm, de “Extremos”. A Revolução Russa e a construção do socialismo soviético foram fundamentais para a imposição de uma correlação de forças mundial mais favorável às lutas por melhores salários, direitos, acesso à educação, libertação nacional, antirracistas, dentre outras.
A vitória da contrarrevolução na URSS e no mundo propiciou a efetiva mundialização do capital, sob hegemonia do capital financeiro. Novos mecanismos de exploração e dominação imperialista são adotados. O endividamento público dos Estados Nacionais, a universalização de políticas econômicas austeras, a total liberdade para os capitais e a mercantilização de áreas essenciais à vida, como saúde, educação, meio ambiente, saneamento são elementos de uma verdadeira ditadura das finanças e do “mercado”.
A complexa dominação financeira do imperialismo contemporâneo é cada vez mais incompatível com os avanços sociais e civilizatórios historicamente conquistados pelos trabalhadores. Conforme já bem constatado, o ódio, as guerras, o fascismo e a restrição às liberdades democráticas dos trabalhadores são armas criadas pela própria democracia burguesa para combater sem tréguas qualquer resistência organizada pelos de baixo.
No plano ideológico, nossos inimigos preferem a falsa polarização política com uma esquerda possibilista, niilista e não marxista. Para essa esquerda, o máximo que se pode conquistar são vitórias parciais, mínimas reformas e a ocupação de espaços num Estado historicamente autocrático, colonial e escravista. Reparem, o verdadeiro poder do capital financeiro e dos monopólios jamais é questionado ou enfrentado.
Sabemos que os trabalhadores, em especial os jovens, precisam de mais do que isso. Felizmente ou infelizmente, qualquer perspectiva de grandes melhorias para o conjunto do povo explorado passa por um projeto revolucionário socialista. A juventude sofre não apenas com o desemprego massivo, a perda de direitos, a violência urbana, a falta de acesso à educação e saúde, mas também sofre ao constatar a falta de alternativa e perspectiva para a humanidade.
Por isso, a União da Juventude Comunista resistir por 90 anos e se construir enquanto uma massiva alternativa revolucionária é um sopro de esperança em tempos tão adversos. Com a UJC, o socialismo não é um sonho de uma “terra prometida”. Saímos da defensiva e negação para apostar numa contraofensiva socialista. Os militantes que estão na UJC ou irão ingressar devem ter consciência desta enorme responsabilidade.
São 90 anos de lutas, conquistas, coerências, acertos e erros. Mas, mais do que isso, com muita paciência, responsabilidade, estudo e disciplina, nós temos o dever de superar os entraves da história para enfrentar uma fase mais dura, repressiva e reacionária da luta de classes. Assim como em 1848, 1871, 1917, 1922 e 1927, são os comunistas, a partir de uma ampla organização e aliança popular e proletária, que se apresentam como os grandes defensores da humanidade e de suas principais conquistas.
Viva os 90 anos da União da Juventude Comunista!
Viva o Partido Comunista Brasileiro!
(*) Coordenação Nacional da UJC. Membro do Comitê Central do PCB
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