segunda-feira, 3 de julho de 2017

Corrupção e capitalismo: duas faces da mesma moeda


 José Renato André Rodrigues (*)

Se temos a sensação de que a corrupção é maior no Brasil, é porque não estamos a olhar para o sistema como um todo, não estamos a trabalhar a noção de totalidade dialéctica, o famoso “pensar dialecticamente” para tentar entender a dialéctica. Ao olhar para o fenómeno da corrupção sistémica no capitalismo, devemos ir além da superfície. Não se resume apenas a um acto moral, isolado, deste ou aquele indivíduo. Se a luta contra a corrupção não estiver associada à luta contra o capitalismo e os problemas gerados por este modelo de sociedade, de nada vão adiantar as denúncias e as leis anticorrupção.

Operação lava-jato, operação Calicute, caso Demóstenes Torres do DEM, escândalos do PC do B no Ministério dos Esportes, mensalão do PT, anões do orçamento no Governo Fernando Henrique do PSDB, o caso PC Farias no Governo Collor, casos de corrupção nos tempos da Ditadura Empresarial-Militar como o caso Brastel citado em uma música do Grupo de Rock RPM, escândalos no Metrô de São Paulo no Governo Alckmin, do mesmo partido do ex-Presidente Fernando Henrique, casos de propinas no Estado do Rio de Janeiro, nos Governos Garotinho e Sérgio Cabral, mais recente o envolvimento do governo Michel Temer com novos casos de corrupção. 

São todos fenômenos tão comuns em qualquer sociedade dominada pelo poder do grande capital, onde as diversas frações da burguesia disputam de forma suja a direção e a hegemonia sobre o Estado Burguês que funciona como um Comitê Político a serviço destas classes. São batidas de uma velha música repetida.

A corrupção está no DNA do capitalismo, só para lembrar o caso Irã-Gate durante o Governo Reagan, nos Estados Unidos: de forma clandestina, o governo estadunidense negociou com o Governo Iraniano dos Aiatolás, inimigo do governo dos Estados Unidos desde a queda do Xá. Isto não impediu de haver negociações secretas através do Coronel Oliver North e representantes do Governo Iraniano, para vender armas ao inimigo dos Estados Unidos e com este dinheiro financiar e treinar os contras-nicaraguenses em Honduras, com o claro objetivo de derrubar o Governo Sandinista da Nicarágua. Casos de corrupção no capitalismo se sucedem como os casos Citygroup, JPMorgam, Leman-Brothers etc.

Seja nos Estados Unidos, Alemanha, França, Reino Unido, Japão, nos ditos países de primeiro mundo ou mesmo nos emergentes ou na periferia do capitalismo, em qualquer República burguesa existe esta praga da corrupção do poder do grande capital. A máquina estatal é formada para estes setores no capitalismo e não para servir a toda a sociedade como tentam nos fazer crer as Ciências Sociais burguesas com o discurso da neutralidade.

O que estou dizendo e afirmando é que a corrupção e o capitalismo andam juntos. Está na própria lógica de funcionamento deste sistema, onde predominam a exploração econômica e a contradição entre explorados e exploradores. Quando temos a sensação de que a corrupção é maior no Brasil, é porque não estamos olhando para o sistema como um todo, não estamos trabalhando a noção de totalidade dialética, o famoso “pensar dialeticamente” para tentar entender a dialética. 

Ao olhar para o fenômeno da corrupção sistêmica no capitalismo, devemos ir para além da superfície. Isto não se resume apenas a um ato moral, isolado deste ou aquele indivíduo. Se a luta contra a corrupção não estiver associada à luta contra o capitalismo e os problemas gerados por este modelo de sociedade, de nada vão adiantar as denúncias e as leis anticorrupção. O aparelho de Estado está organizado para atender toda forma de organização onde não há nenhum controle da sociedade e sim dos grandes empresários que exercem o poder sobre a máquina Estatal burguesa.

Não devemos ficar na superficialidade, é necessário ir fundo na raiz do problema; não é apenas um problema Ético ou Moral, como estão querendo nos convencer certos setores da esquerda reformista. Estes setores na verdade quando tentam reduzir estes problemas apenas a um discurso técnico, na verdade estão querendo passar uma imagem de possíveis gerentes do grande capital e fogem de temas como: luta de classes, ditadura do proletariado, estatização, tomada do poder pelos trabalhadores etc. 

Estes setores estão funcionando como correias de transmissão da ideologia reformista pequeno-burguesa entre os trabalhadores. Estes grupos na verdade usam fraseologia socialista, porém não passam de meras toupeiras a serviço do capitalismo com suas cartas de governabilidade burguesa.

O problema do capitalismo é estrutural, e precisa continuar sendo combatido pelos trabalhadores, não há outro caminho.

Quando reportagens são realizadas sobre corrupção nunca vão fundo na questão, nem mesmo as grandes emissoras de TV, rádios, e os grandes jornais privados podem ir fundo ao problema da corrupção. Eles mesmos sempre se apoiaram nas benesses de diversos governos de plantão, se calando diante de desvios e torturas. Até mesmo no governo do PT, a grande imprensa se beneficiou dos patrocínios governamentais e dos subsídios do BNDES, até mesmo a bancada evangélica que votou pelo impeachment da Presidente Dilma e hoje apoia as reformas do Governo Michel Temer (PMDB) contra os trabalhadores também se beneficiaram de acordos no Governo do PT Lula/Dilma.

O problema foi que o PT preferiu os acordos e pacto de governabilidade com o capital do que enfrentar um dos setores da burguesia representado pela grande mídia, como fez Hugo Chávez na Venezuela que não renovou as concessões para as empresas privadas de comunicação e investiu pesado na TV Pública.

Sob o capitalismo não existe nem pode existir imprensa livre, a imprensa é parte dos aparelhos ideológicos da burguesia; ir fundo no problema é reconhecer e condenar a própria ideologia burguesa, isto pode abrir caminhos para a contestação a ordem burguesa, descobrindo que este sistema precisa ser superado.

Passados três décadas após o fim da ditadura empresarial-militar no Brasil, as pessoas começam a reproduzir e acreditar em uma visão equivocada e mentirosa, construída por alguns setores conservadores da sociedade brasileira, de que nos tempos da ditadura empresarial-militar não havia corrupção, quando na verdade a própria estrutura de funcionamento da ditadura empresarial-militar foi montada para atender a máquina da corrupção.

Nos diversos setores da segurança formaram-se redes para captar recursos de empresários para financiar e corromper agentes da repressão, ao receber carta branca do Estado para prender, matar, torturar e desaparecer com corpos; muitos agentes se envolveram com práticas de corrupção e mergulharam fundo no mundo do crime organizado como contrabando, jogo do bicho, tráfico de entorpecentes. 

Os governantes faziam vista grossa, por que naquele momento o objetivo da ditadura empresarial-militar era combater os opositores que resistiam à ditadura. Muitos empresários ficaram ainda mais ricos ao participar dos esquemas de corrupção neste período e muitos ainda hoje continuam exercendo influência, mesmo no pós-ditadura, seguiram tendo prestígios nos chamados governos civis de José Sarney, Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique, Lula, Dilma e Michel Temer.

A transição da ditadura para a democracia burguesa formal, foi toda pactuada para não mexer com os financiadores e apoiadores das prisões, torturas e desaparecimentos do período anterior, com a tentativa de colocar uma pá de cal em nosso passado recente com o propósito de apagar da memória os crimes do grande capital.

Falar em corrupção é falar também na ditadura que aconteceu no Brasil. Em nenhum momento ela foi para beneficiar o conjunto da sociedade, todo o esquema montado foi para beneficiar o grande capital.

Todos estes escândalos de corrupção são reflexos da ideologia burguesa que valoriza o individualismo e a indiferença, reforçando no senso comum a ideia de que a corrupção é algo natural, comum e corriqueiro. Como se isso fosse parte da própria natureza humana; ninguém nasce corrupto ou ruim, toda essa ideia só contribui para deixar as massas populares impotentes e desorganizadas para reagir diante de tantas denúncias.

O conjunto da sociedade mergulha na apatia e na indiferença em relação à política, o que acaba favorecendo a burguesia e a manutenção do capitalismo. A superação destes problemas requer organização e luta das massas trabalhadoras exploradas pelo capitalismo.

O conchavo, a pressão que as diversas frações da burguesia exercem para fazer valer seus interesses de classe, são práticas comuns da cultura política na sociedade capitalista. Isto ocorre não só no Brasil, mas em todos os países capitalistas. Fatos de corrupção são citados em livros de autores como: Gore Vidal, que promove uma crítica dura, ácida e feroz à democracia nos Estados Unidos; na opinião deste autor estadunidense, 

“A democracia no mundo capitalista está subordinada aos interesses corruptos das grandes empresas, que exercem total domínio sobre todas as instituições do Estado”. A simples alternância de partidos e figuras na administração do Estado burguês, na prática não altera em nada a estrutura de poder no capitalismo.

Os problemas de corrupção são denunciados nas letras de músicas de diversos gêneros musicais e em filmes como “O Lobista”, protagonizado pelo ator Kevin Spice, onde o personagem deste ator fala das redes de corrupção montada pelos maiores empresários nos Estados Unidos; assim eles nunca se afastam do poder independente, de quem esteja dirigindo a Casa Branca. Portanto, para se falar em corrupção, deve-se falar em capitalismo, seja em democracia formal ou em uma ditadura fascista, o problema da corrupção é parte constante deste sistema.

O problema dos casos de corrupção no Governo do PT, se estendendo a outros partidos de esquerda como: PC do B, PDT e PSB, foi que estes partidos aceitaram virar partidos da ordem burguesa ao fazer o pacto de governabilidade com a burguesia para garantir lucro e paz ao capitalismo, caíram na vala comum da tradicional política burguesa ao aceitar contribuições de grandes empresas, se renderam ao velho cretinismo parlamentar perdendo a identidade de classe.

Este é um fenômeno que não acontece apenas no Brasil: em muitos países, antigos e novos partidos de esquerda vêm aceitando cair nesta velha vala comum de fazer o jogo do grande capital, alguns vêm frustrando as esperanças, ao chegar nos governos aplicam à risca os programas de austeridade econômica, com cortes de direitos e repressão contra os trabalhadores quando estes reagem contra os cortes de direitos. A história está repleta de exemplos: foi assim com os Partidos da Segunda Internacional, com os Partidos Sociais-Democratas e Trabalhistas na Europa do pós-guerra e agora com o Siryza na Grécia e com o PT no Brasil.

O cretinismo do reformismo e da traição de classe é tanto que estes partidos chegam ao ponto de apoiar as guerras imperialistas, apoiando as guerras de rapina das grandes potências imperialistas, como foi o caso do Brasil que enviou tropas para o Haiti durante o Governo Lula, que teve a audácia de dizer na Colômbia que “a América Latina não precisa mais da espada de Bolívar e sim de mais negócios”.

Fazer uma reforma eleitoral, que diminua o número de partidos, colocar na legislação que será proibido o caixa dois, isto de nada vai adiantar para resolver os problemas de corrupção em nossa sociedade. Chega a ser ridículo, partidos que se dizem representar os trabalhadores caírem nesse discurso; é enganar a população, que o financiamento vai ser igual para todos os partidos, quando na verdade há uma desigualdade na distribuição do financiamento público dos partidos.

A reforma eleitoral em curso não é para moralizar e nem democratizar o poder político em nossa república burguesa, mas apenas para criar uma fachada de democracia com poucos grandes partidos que vão continuar sendo expressão no poder das grandes empresas capitalistas. Será montada uma estrutura partidária que manterá o poder econômico intocável, deixando os partidos anticapitalistas com muitas dificuldades de eleger seus candidatos e funcionar na institucionalidade burguesa.

Em 2015, já houve uma chamada reforma política de iniciativa da direita – que contou com os votos da esquerda conciliadora de classes (PT, PC do B, PDT e PSB) – e que retirou os 5 minutos semestrais de cadeia de rádio e televisão a que tinham direito o PCB, o PSTU e o PCO. Até mesmo o vacilante PSOL votou contra esses três partidos de esquerda, pensando em monopolizar esse campo e escapar da reforma. Mesmo assim, numa votação logo em seguida, os partidos maiores aprovaram que as televisões só são obrigadas a chamar para os debates os candidatos de partidos com no mínimo 9 deputados federais. Assim, nas eleições de 2016, o PSOL sentiu na própria carne o que é uma lei antidemocrática.

O momento em que vivemos é de muita firmeza ideológica para enfrentar os desafios, para organizar as lutas dos trabalhadores contra os ataques do grande capital; enfrentamos uma conjuntura em que a grande maioria dos partidos de esquerda são majoritariamente reformistas, não se apresentam como uma alternativa anticapitalista, se apresentam apenas como uma esquerda confiável para gerenciar o capitalismo, procurando conciliar capital e trabalho num primeiro momento para depois ceder ao grande capital, tomando medidas antipopulares, ao mesmo tempo em que procuram desarmar ideologicamente os trabalhadores através das correias de transmissão no seio do movimento sindical controlado por centrais sindicais pelegas.

Devemos seguir em frente!! Com nossa coerência e programa anticapitalista, poderemos ficar durante algum tempo isolados; porém, se nos pautarmos por ações coerentes junto às massas trabalhadoras poderemos romper com o cerco hostil que nos impõem os reformistas e pós-modernos. Devemos romper de uma vez por todas com falsas ilusões das frentes populares, das frentes eleitorais, das agendas rebaixadas sem horizontes de ruptura com a ordem burguesa. Nosso horizonte está para além das pequenas conquistas, nossa meta é construir uma alternativa de poder que supere o capitalismo.

Estamos aqui deixando bem claro que nossa luta é por uma nova ordem social, organizada e dirigida pelos trabalhadores, onde as massas trabalhadoras organizadas possam exercer o poder, mudar as relações de produção, consolidar uma nova hegemonia política em direção à sociedade socialista no Brasil. A partir deste rumo traçado poderemos romper com a vala comum da podridão capitalista presente em nossa sociedade, criando uma nova sociedade onde o fruto do trabalho seja para beneficiar toda a sociedade e não mais pequenos grupos de capitalistas.

A caminhada é dura e difícil, devemos ter clareza bem de que nada vai adiantar usar frases de efeito, que afirmam que o problema da corrupção é técnico, ético ou moral. Nós comunistas sabemos muito bem que o problema é o próprio capitalismo e a própria forma de organização e o funcionamento desta sociedade que ontem, como hoje ou amanhã, não pode e nem tem como solucionar os problemas desta sociedade. Ela já se esgotou, cabe aos anticapitalistas construir uma agenda de lutas, não só para lutas imediatas para manter direitos, como também avançar em novas conquistas para todos os trabalhadores.

O maior patrimônio de um Partido de Novo de Tipo é a firmeza e a coerência política e ideológica na defesa dos interesses imediatos e históricos das classes trabalhadoras. Não devemos abrir mão desta coerência em nome de pequenas concessões que em nada vão fazer avançar a consciência e a organização dos trabalhadores. Não existe um caminho mais fácil para se chegar ao Socialismo. 

Rebaixar programa que se adapte à ordem é não aprender com a história; os exemplos estão diante de nossos olhos, seja com o PT e seus aliados no Brasil, o Syrisa na Grécia, os Partidos Socialistas da Segunda Internacional. E até mesmo o rebaixamento do programa do candidato do PSOL a Prefeito do Rio de Janeiro em 2016, Marcelo Freixo, com a sua “carta aos cariocas”, repetindo, como farsa, o gesto de conciliação de classe de Lula em 2002, na “carta aos brasileiros”.

Não se constrói alternativa de poder para os trabalhadores pelo caminho da conciliação de classe, se descaracterizando; fazer isso é mergulhar na vala comum da sociedade capitalista, é tornar-se apenas mais um Partido da ordem tentando curar uma doença que já não tem mais cura, é apenas sonhar em ser apenas mais um gerente do grande capital, como vêm fazendo alguns partidos socialistas, trabalhistas e até mesmo alguns que se dizem comunistas.

As forças políticas anticapitalistas, não podem ficar refém das circunstâncias conjunturais, nem podem ficar a reboque do oportunismo que hoje se diz oposição. É necessário traçar um plano de ação claro, capaz de orientar o conjunto das classes trabalhadoras para enfrentar os desafios que se colocam.
Desta maneira poderemos construir o caminho em direção a uma alternativa de poder anticapitalista, na perspectiva do Socialismo no Brasil.

(*)  Professor de Filosofia da Rede Pública Estadual do Estado do Rio de Janeiro,
Secretário Político do PCB na cidade de Nova Iguaçu – RJ

https://pcb.org.br/portal2/14911#more-14911

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