"No decurso dos séculos, raros, muito raros, foram os homens de Estado que conseguiram penetrar nos corações deste modo, perceberam que os pobres são os únicos preparados para transformar a história, que formaram as consciências, apresentaram as ideias, influenciaram o fio dos acontecimentos. Robespierre, Lenine ou Mao. É essa a sua medida. A sua grandeza. Fidel é desta estatura."
Remy Herrera
Em longos cortejos silenciosos, na dor e no recolhimento, o povo cubano em luto prestou uma última homenagem, feita de dignidade e afeição, ao seu Comandante em chefe. Neste belo texto, a homenagem tem a dimensão dos povos de todo o mundo.
Fidel Alejandro Castro Ruz. Figura de lenda moderna. Nenhum como ele. Com ele, toda a humanidade, ou quase toda. Desde a noite de 25 de Novembro de 2016, dezenas de milhares, sem dúvida centenas de milhares, homens e mulheres deram testemunho do seu respeito, da sua admiração pelo líder histórico da Revolução cubana. Na ilha, claro e mais longe. Pelo mundo inteiro.
Na China, onde sabem dos esforços que Cuba fez para preservar a efémera unidade de uma frente comum dos países socialistas antes do sismo sino-soviético, e que ela foi a primeira das nações da América, a reconhecer a República Popular, com mais dez anos, colossal.
Na Índia onde, após um abraço, a ligação a Nehru se tornou imensa. E que dizer de Java, dessangrada para conseguir o vermelho, logo depois de Bandung, depois de ele ter recebido o kriss da amizade das mãos de Sukarno?
O Vietname lembra-se dos milhares de cubanos voluntários para combater com Ho-Chi-Minh, que escolheu a fim de se libertar e fortificar a sua própria revolução, não aceitar que os civis viessem defender o Vietminh.
No Laos, que também ajudou Cuba, enquanto um Bob McNamara civilizava a margem esquerda do Mekong, lançando napalm, e desfolhante laranja, imperialismo e direitos humanos simultaneamente, bela proeza. Grandes estes «Ricains», a arma à anca, fazem acreditar o que querem, rebentam com um país e querem que os aceitem!
No continente africano, muita sabedoria e reconhecimento, que Fidel tanto amava, como se ama um antepassado, num momento encontrado no sorriso das suas crianças. Em Banjul, onde as paredes do sistema de saúde só se mantêm graças a ele.
No mais profundo de Burkina Faso, terra de honra maior, onde o espírito do Cubano se uniu ao que invocam de novo, Thom Sank. Virá de novo. Em Asmara, onde os seus retratos barbudos ornamentam muitas casas desde que Cuba, trazendo o apoio à Etiópia, reconheceu à vermelha Eritreia o direito à autodeterminação, já que um e outro eram socialistas.
Roda dentada e machete cruzados de Angola, sol de doze ramos da Namíbia, subiu alto, brilha, um mundo vos contempla! Em todas as memórias, Fidel vive. Em Bissau, Bafatá de Cabral, Kasai lumumbista, florestas obscuras do Kivu, Tanzânia de Mwalinu. Gana de Osagyefo, Africa Austral, «linha da frente», do anti-apartheid, cada cabeça está ao lado do seu amigo, seu irmão, seu camarada, Nelson Mandela, Fidel faz levantar a cabeça, erguer o torso, levantar o punho.
Duas sílabas e mais duas, um Viva! dois pontos de exclamação, que se tornam mais fortes, ou menos solitários, os garotos errantes dos slums lamacentos de Monróvia ou de Freetown. Pois são os seus, de uma ilha minúscula, que cuidam das feridas dos esquecidos.
Na primeira linha, sem medo, de lágrimas nos olhos. Cuba tão longe, São os seus filhos e filhas, que ensinam à escória do capitalismo que apesar de obrigados a sobreviver como animais em montes de imundície, ou sob túmulos de cemitério, todos têm direitos, direitos iguais, que lhes ensinam que continuam humanos até nos casebres miseráveis. Fidel. Na sua voz vibrava a cólera, soava a revolta indomável contra este mundo.
E o universo árabe-muçulmano, mulheres kashmin conheciam esse nome, como o da jovem doutora que vem trazer socorro aos pés da morada das neves. Himalaia, quando tremeu Muzaffarabad. Na Argélia, ontem Meca dos revolucionários, enlutada oito longos dias, apenas menos um que o seu país natal. O tempo de uma guerra, até à liberdade, mujaedine, órfãos foram acolhidos lá em baixo. Fidel velava por eles. Entraram todos bem pelo braço de Ben Bella.
E eis que há quase cem anos, em fato de treino, também ele canta, Um, dois, três! No Cairo, por onde passou a ver o senhor do Suez, Gamal Abdel Nasser. A Palestina, Cuba tem-na no coração. Os dois sabem o que dar quer dizer quando há pouco, tão pouco para si. A ilha lembra-se: a mão estendida de Yasser Arafat, ajuda-a quando os tempos ficam duros, quando o normal falta após a queda, a leste de um dos socialismos.
Na Síria, igualmente, onde os montes Golan foram durante um tempo defendidos pelos cubanos em armas, que pararam a marcha sobre o Tsahal para Damasco. Israel também não esquece, mas para melhor seguir como um só homem, o tirano que impôs um crime a toda a humanidade, Bloqueio. Vergonha, Estados-malditos da América!
No Sul, a América a que chamam latina, com o seu arco caribenho. Ela que se rebelou para que Cuba não seja excepção. Ela que se debateu e que se levantou. Ela que queriam de joelhos. Ela mais politizada e lúcida, graças às lições de Fidel, ao exemplo do Che e heróis caídos. Aí, onde por assim dizer, a crueldade dos ricos, a sua violência sem piedade, o seu ódio espumante se vê a olho nu, como a luta das massas.
A emoção, o fervor, a determinação estão aqui. À flor da pele. A adesão a Fidel, proclama-se muito alto. A Guatemala esmagada e o Paraguai mártir, a Bolívia insubmissa, a Colômbia guerrilheira. A Venezuela, mais do que nunca bolivariana, o primeiro a ter reconhecido a ele e ao seu exército rebelde, onde nascera uma irmãzinha, hermanita Chavista, nova caravana da liberdade, México que não corta as pontes, Haiti de Toussaint. Se Fidel nascesse brasileiro, o hemisfério teria mudado.
De resto, para além dos mais longínquos horizontes inimagináveis, a sua aura. Até aos pontos perdidos da Oceânia, Fidji, Salomão, Toga, pedaços de terra soltos pelos limites dispersos do planisfério, Kiribati, Vanuatu, Nauru, até às Highlands da Papuásia, silhuetas inquietantes, mais negras de pele do que a Guiné, de osso no nariz, ainda canibais asseguram o desdobramento em busca de arrepios, de subdesenvolvimento garantido resíduo de uma outra era.
Até aí chegam os cuidados que Fidel sonhou. Ainda que os vejamos serem prodigalizados aos mais necessitados do «modelo do mundo» outro embargo dos ianques, guerra insidiosa contra os seus pobres. Cuba propôs, mas em vão, pôr à sua disposição as brigadas de médicos para actuar e cuidar nos quadriláteros decrépitos do Harlem, mais decrépitos que as fachadas pastel e coloridas de Havana velha.
Mesmo na Ucrânia, as famílias, próximas dos filhos de Chernobyl dispõem de provas materiais. Cuba acolheu perto de 20 000. Gratuitamente, por assim dizer, mas é melhor dizê-lo. Mesmo quando o regime ucraniano votou a continuação do bloqueio, pelo anticomunismo, parecia a cópia exacta do antigamente que na época de Barba Roxa se alegrou de ver Kiev cercada.
Cuba prolongou a sua hospitalidade às crianças que sofreram radiação. Cuidou deles, curou-os. Assim faz a Cuba de Fidel. Não encantava? Mesmo a leste? Mesmo o Norte? O Norte que tratou de esquecer um Sven Olof Palme e a honra salva. Esse Norte «injusto e cheio de inveja, que se fecha e se enche de ódios» como escrevia já um herói, Marti, ilustre predecessor que inspirou Fidel.
Hoje, são as forças mais honestas, mais progressivas, mais numerosas que rejubilam e agradecem a Fidel pelo que ele deixou: a defesa da humanidade. Os revolucionários do planeta cerram fileiras à volta dele e reafirmam que manterão a luta, continuarão a lutar ombro a ombro.
No decurso dos séculos, raros, muito raros, foram os homens de Estado que conseguiram penetrar nos corações deste modo, perceberam que os pobres são os únicos preparados para transformar a história, que formaram as consciências, apresentaram as ideias, influenciaram o fio dos acontecimentos. Robespierre, Lenine ou Mao. É essa a sua medida. A sua grandeza. Fidel é desta estatura.
E Cuba tão pequena, com o seu farol colocado alto, luz que se eleva acima dos mares. Graças a ele, partilham-se as refeições, as casas e os livros. Quando o Leste deixar, a partilha vai continuar. Quando o Ocidente saltou à garganta, para estrangular, para matar, partilhou-se o resto. Quase nada. Todos conheceram a fome, mas ninguém morreu.
Partilhou-se a dignidade, a serenidade do justo, o sofrimento das faltas. Orgulho de resistir. Para provar a todos que se pode resistir. A quase tudo. Fidel «é preciso forjar a convicção e manter a promessa de resistir, de lutar e de vencer, quando tudo falha e ficamos sós. Não podemos render-nos.
Não seria digno da história deste país, dos nossos antepassados, trata-se de uma luta, e na luta, o essencial, é o povo, que surpreende todos pelas suas virtudes. Estamos abertos a todas as possibilidades, excepto renunciar ao socialismo, à unidade, ao poder do povo, às conquistas da Revolução, à excepção deste de aceitar que outros sejam senhores do nosso destino. Já fizemos a nossa escolha há muito tempo: socialismo ou morte!»
A Cuba de Fidel manteve a chama acesa. Durante dez anos, sozinha, como um grande, quando o bloqueio lhe caiu em cima. Iluminou a noite, a noite da reacção, como um Outubro vermelho. Antes que outros viessem levantar a bandeira, indiecitos, mulatitos, todos Bolivarianos. Fidel esteve à altura do seu povo.
Da sua lealdade, da sua frontalidade, da sua generosidade. A combatividade desse povo cubano, que durante mais tempo do que qualquer outro, levou um apoio, incansável, inquebrantável à sua revolução, a esta geração de excepção, nascida da guerrilha, inflexível e integra, acompanhando durante decénios o seu comandante em chefe.
Líder máximo que teve tanto poder. Até ele se inquietava com tanto poder. Mas ele não o procurava, mas não o arrancou. Todos vieram ter com ele, de Holguin, de Santiago, Santa Clara, Camaguey, Praça da Revolução, para lhe entregar, consentir, confiar nele e principalmente deixa-lo mandar. Porque era ele. Incomparável, incontestável.
Até os santos o protegeram no sincretismo mestiço, santeria Ocha religião Ypruba. Palo Monte reino do Congo, a sociedade Abakua, e Arara. Obbatala Santíssimo, Mbumba da Caridade, Chango Santa Barbara Yoasi e Yemayá, fizeram também a travessia dos deportados, quase um milhão, choram-nos tão pouco, desde os pontões da costa dos Dentes, do golfo do Benim, do Biafra, de Loango, Cabinda, Mayumba, de Moçambique, Elugo, Fanti, Ganga, Yolof do Mani, vieram de lá.
Esquecerão os de Cantão e do delta das Pérolas, levados em cadeias nos mesmos barcos? Reis, papas assistiram a isso. Um povo exigiu Marti e Marx reunidos. Era de Fidel que precisavam. Sem os seus voluntarismos, os dois ligados por laços tão íntimos, devoções recíprocas onde teria sido esta bela Revolução? Os que chamam a Fidel, quando conhecem a ilha de «ditador brutal, cruel», sanguinário, sabem que mentem, que se enganam a si próprios, que são hipócritas. Que querem enganar-nos.
O insulto não atinge, o escarro falha o alvo. Fidel escolheu o campo dos oprimidos, de actos consequentes, coerentes, corajosos, sempre do lado dos humildes, da canalha, para esperar e acreditar ainda no ser humano. Chegamos sempre a alguma coisa.
Ouçamos Neruda: «As suas palavras em acção, os seus feitos que cantam». Nacionalizou a terra e distribuiu-a. Esta Reforma Agrária Benny celebrou-a. Guarijos deixemos falar o poeta Guillen: «Ele levantou a gleba, até ao mirto, ao loureiro». Depois socializou os meios de produção, industrias, refinarias de petróleo, colocando-os finalmente nas mãos do trabalho.
Pôs mesmo a banca sob controlo do Estado. E o Estado sob o do Partido. E o próprio Partido ao serviço dos ideais: para o povo a saúde, educação, luz e a segurança, tudo gratuito. Pôs fim à segregação, ao sexismo, ao crime organizado num país desde sempre ossificado, maltratado, quatro séculos de escravatura, prostituído há mais de sessenta anos por gringos ávidos nos tinham apodrecido. Chicago dos trópicos.
Fidel ensinou aos ricos boas maneiras, a eles que não tinham cura. Às suas visitas tão más, ensinou-as também a comportar-se, a viver em sociedade. Ou então a partir. Eles fugiram, desembaraçaram o solo de todos os exploradores. Foi para isso que nasceu Fidel. Para a nossa Cuba, Cuba socialista, pátria universal.
Os seus críticos, os senhores da Bolsa, tiveram de entender, aritmética elementar, que somos o numero fantástico, maciço, a verdadeira maioria, a dos povos. Cuba ama Fidel e muito profundamente. E o mundo também, agrade isso ou não.
De que temos medo? É tão difícil dizer a verdade? De que teríamos vergonha, de amar os nosso heróis? A humanidade chega em socorro. Toda a humanidade. Ou quase, dizemos nós. Os outros mesmo no fundo não ignoram que o mundo pode mudar, se marcharmos para o melhor e não para o caos. Temos então a certeza de que futuro lhe pertence, Comandante, Fidel, o futuro é seu!
Tradução: Manuela Antunes
(Com odiario.info)
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