Luiz Eça (*)
O atentado na boate gay em Orlando (estado da Flórida) foi praticado por um lobo solitário, porém, ele não estava sozinho. Contou com a ajuda de uma verdadeira matilha, as centenas de pessoas, empresas e entidades que direta ou indiretamente fazem a compra de um fuzil de batalha tão fácil quanto a de bonecas Barbie.
Na Flórida, basta ser maior de idade, não ter antecedentes penais e apresentar um certificado de que o comprador não sofre de nenhuma doença mental nem foi acusado de violência sexual.
A arma do massacre, o AR-15, um fuzil de assalto de uso das Forças Armadas dos EUA, pode ser adquirida numa loja ou até pela internet por cerca de 500 dólares.
Somente dois dos 50 estados norte-americanos (Massachusetts e Nova York) proíbem sua venda ao público.
O AR-15 é um fuzil semiautomático, quase uma metralhadora, o atirador não precisa tirar o dedo do gatilho para recarregar a cada tiro. Com isso, o AR-15 dispara até 30 balas em menos de um minuto. Atinge um alvo a 600 metros de distância.
A arma que matou os 50 gays em Orlando, além de fazer muitas vítimas em mais de uma dezena de tiroteios múltiplos, é muito popular nos EUA. Nos últimos cinco anos, foram vendidas nada menos do que 1,5 milhão do AR-15, segundo a CNN.
Armas de um modo geral gozam de grande prestígio nas terras de Tio Sam. Os civis estadunidenses possuem entre 270 e 320 milhões de armas de fogo. Elas existem em pelo menos de 37% a 42% dos lares do país.
Diz o presidente Obama que a partir de 11 de setembro (atentado das Torres Gêmeas) as vítimas delas superam de longe as vítimas de ataques terroristas. Dezenas de milhares contra menos de 100.
Corresponsáveis por essa mortandade são os fabricantes de armamentos, sem os quais não haveria tantas armas e tantas mortes causadas por elas na Terra da Liberdade.
São seus fabricantes que fundaram e mantém a NRA (Associação Nacional do Rifle), cuja ação tem impedido a aprovação de leis que dificultam a venda de armas a civis. A NRA surgiu em 1871 para estimular o uso de armas pela população. Em 1975, para combater a crescente tendência pelo controle da comercialização de armas de fogo, ela passou a atuar como lobby.
Hoje, é um dos três maiores lobbies do país, com um orçamento de 260 milhões de dólares anuais e cerca de 4,5 milhões de membros.
Ela tem sido decisiva no Congresso norte-americano. Foi a NRA que conseguiu impedir a prorrogação da proibição do fuzil AR-15, vigente no período 1994-2004. Depois disso, o AR-15 foi usado em mais de uma dezena de atentados nos EUA, como no massacre de Orlando, o que a tornou cúmplice inclusive do assassino Omar Marteens.
A digital da organização está nas dezenas de milhares de mortes por armas diversas de que fala o presidente Obama. Deve-se a ela o bloqueio de dezenas de leis que restringiriam a compra de armas por civis. Conta com o apoio no Congresso da maioria dos congressistas do Partido Republicano e de pequena parte dos democratas, seus aliados nessa galeria de patrocinadores da morte.
A NRA age distribuindo dólares entre seus fiéis congressistas, tanto nas campanhas eleitorais quanto na votação de projetos de seu interesse. Durante as eleições, pressiona os candidatos de uma forma muito particular.
Nos EUA, a eleição dos senadores e representantes (deputados federais) é distrital. Quase sempre, há dois candidatos com chance, um democrata e um republicano.
A NRA levanta os distritos em que a eleição é acirrada, com as pesquisas apontando diferenças mínimas entre os candidatos. Um deles é procurado por um militante do NRA que faz a seguinte colocação: “se você apoiar nossas lutas, contará com os votos e apoio dos milhares de membros da NRA neste estado”. Caso contrário eles votarão em seu rival, que, assim, provavelmente vencerá.
Com que opção você ficaria?
Como os candidatos estão disputando cabeça a cabeça, votos e apoios da NRA poderão ser decisivos. Muitos topam ser seduzidos por esta sereia. Com dólares e artimanhas eleitorais, a bancada da NRA vem ganhando todas.
Conseguir aprovar uma lei que exija porte de armas, só concedido a quem prove ter necessidade delas, é praticamente impossível. Diante desta realidade, Obama, em 2013, tentou ao menos reduzir a violência causada pelas armas de fogo, com um plano que incluía novas leis específicas. Nenhuma delas foi aprovada.
Comentando o problema, o presidente declarou em entrevistas à BBC: “Os EUA são a única nação avançada da terra onde não temos suficiente bom senso e leis de segurança para as armas de fogo. Mesmo em face de repetidos assassinatos em massa. Se você examinar o número daqueles que foram assassinados pela violência das armas, verá que são dezenas de milhares. E o fato de não sermos capazes de resolver esta situação tem sido algo angustiante”.
Não, porém, para grande número dos norte-americanos, que defendem a liberdade de possuir armas de fogo baseados principalmente em dois pontos.
Primeiro ponto
A segunda emenda da Constituição que garante essa liberdade. Argumento estranho num país, onde leis do governo Bush e mantidas no governo Obama violam a Constituição em artigos mais sérios.
Por exemplo: revogando o direito dos cidadãos a processo num tribunal habilitado, através da lei que permite ao presidente prender e manter preso indefinidamente quem ele achar suspeito de terrorismo.
E quebrando o direito constitucional de privacidade pela espionagem da NSA nos computadores de milhões de norte-americanos. A segunda emenda data de 1791, poucos anos após a revolução de independência, quando a ordem pública ainda não estava garantida.
Bandoleiros, índios, desertores e mesmo tropas inglesas ameaçavam a segurança de cidadãos, especialmente de regiões mais afastadas. O uso de armas para autodefesa muitas vezes se justificava.
Segundo ponto
Armas são necessárias para a defesa dos cidadãos contra terroristas e criminosos.
Lembremos que na época em que a segunda emenda foi inscrita na Constituição, boa parte dos estadunidenses estava acostumada ao uso de armas. Aprendeu a usá-las na guerra da independência e em várias lutas contra tribos indígenas.
Podiam enfrentar marginais.
Isso não acontece agora. As polícias de vários países insistem em que os civis não lancem mão de armas para se defenderem de bandidos, que são, em razão de suas atividades “profissionais”, muito mais aptos a usá-las.
No caso particular dos fuzis semiautomáticos, como o AR-15 do massacre de Orlando, sua utilidade para cidadãos comuns é nula. Seria bizarro levá-los consigo ao ombro quando saíssem à rua.
Criariam situações constrangedoras quando chegassem no escritório, cinema, escolas, médicos, estádios e outros locais públicos com um fuzil de batalha.
E no caso de assaltos noturnos não teriam tempo de ir correndo até o armário ou a outro móvel onde guardassem seus fuzis. A menos que eles estivessem bem à mão, ao lado da cama. Não se sabe se as esposas iriam gostar desta proximidade.
Acredita-se que a compra de fuzis usados pelas forças especiais do Exército teria sentido quando feita por gângsteres e terroristas, com más intenções.
É claro que pistolas e revólveres não apresentam esses inconvenientes. Mas não têm sido muito eficazes na defesa contra assaltantes. São raríssimos os casos de civis que vencem bandidos que tentam assaltá-los. O contrário e muito mais comum.
O candidato Donald Trump aproveitou a morte dos 50 cidadãos na boate de Orlando para lembrar que tinha razão quando propunha a proibição de entrada nos muçulmanos no país.
Alegou que se os frequentadores da boate possuíssem armas de fogo fariam como John Wayne, Wild Bill Hichok, Bufalo Bill, Wyat Earp ou outros heróis da conquista do Oeste. Pulverizariam o bandido Omar Mateen com certeiros disparos.
Não foi à toa que a NRA já escolheu Trump como seu candidato a presidente pelo Partido Republicano, embora a convenção que vai decidir esta questão ainda esteja por se realizar.
Por enquanto, ele não é o candidato presidencial republicano, é apenas mais um cúmplice nos assassinatos da boate de Orlando, de Sandy Crook, San Bernardino, Charleston e muitos outros, praticados por gente que num país civilizado jamais teria acesso legal a armas de fogo.
Lê-se nos jornais que, aproveitando o impacto na opinião pública do atentado de Orlando, parlamentares democratas pressionam os republicanos a aprovarem lei do governo que diminui as facilidades de acesso às armas de fogo.
Por enquanto, os republicanos aceitavam proibir sua venda aos indivíduos considerados suspeitos pelo FBI. Considerando que o FBI raramente deixa soltos suspeitos de terrorismo, esta lei não vai fazer muita diferença.
Deus Salve a América.
(*) Luiz Eça é jornalista.
(Com o Correio da Cidadania)
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