Entrevista a Nestor Kohan
Marcela Pisarello e Sílvia Acevedo Montilla
Um dos grandes desafios do marxismo do Século XXI consiste em desmontar a falsa homologação de mercado e democracia. Para poder concretizá-lo há que ESTUDAR. E para decifrar os enigmas não resolvidos há que superar o divórcio entre um marxismo académico e um saber militante abnegado e esforçado mas que não estuda, não lê, não está informado e suplanta a falta de formação da militância de base com palavras de grande efeito.
MP e SAM: Que papel desempenham hoje em dia os meios alternativos de comunicação perante o domínio planetário do capital?
NK: Um papel fundamental. Vivemos uma ditadura mediática sem precedentes na história. Os meios maciços monopolizaram-se de um modo impensável há meio século. As televisões por cabo, por exemplo, variam o número de canais que oferecem. Aquela a que eu tenho acesso na Argentina tem mais de 70 canais, mas só em dois ou três se pode ver algo diferente… e ainda por cima com limitações institucionais, porque essas escassas excepções dependem por sua vez de estados e de sua diplomacia externa.
Noutras televisões há mais de 300 canais, mas as alternativas não são mais de três ou quatro. A relação assimétrica é indefinida. Existem as páginas webs alternativas, mas na realidade devemos assumir a sua marginalidade extrema. Sofremos de um totalitarismo absoluto da informação e da comunicação, disfarçado de «pluralismo» e «democracia». A «sociedade aberta» que Karl Popper pregava e muitos outros cúmplices do seu bando malsão ao pensamento oficial ocidental durante a guerra-fria é um mito e do pior modelo.
MP e SAM: Que achas do discurso do presidente Obama sobre as novas medidas a respeito de Cuba? Abre-se uma esperança?
NK: Nicolo Maquiavel, um rapaz do meu bairro, costumava lembrar que os poderosos andam entre a raposa e o leão, com a astúcia e a violência, com o consenso e a repressão. Nunca abandonam nenhum dos meios de dominação. Todos os imperialismos e sistemas totalitários reprimiram e ao mesmo tempo tentaram criar consenso. Obama passa a vida a sorrir, impassível, a vender pasta de dentes. Faz de «polícia bom» para Cuba, e simultaneamente ameaça castigar a Venezuela bolivariana com dureza ou a qualquer outro dissidente (externo ou interno) que o desafie.
Promete erradicar definitivamente a tortura mas acaba por reconhecer que a tortura continua. Agora chamam-lhe «interrogatório forte». Consegue o Nobel da Paz, enquanto invade países, derruba governos populares, assassina líderes opositores, suborna, compra, intervém descaradamente noutras sociedades sem respeitar a sua soberania, espia e vigia cada gesto quotidiano do seu próprio povo norte-americano como faz com todos os povos do mundo.
Alguns dos seus próprios agentes (já afastados) e alguns poucos dos seus próprios intelectuais que não perderam a dignidade denunciam-no publicamente. Desde Snowden até Assange e Chomsky.
Cada um portanto é livre de oferecer a outra face? Mas nós também temos o direito e a possibilidade de não o acreditar.
A nova política anunciada para a Revolução Cubana apresenta um reconhecimento de facto de que os brigões do quarteirão, os gorilas do bairro, os gangsters e mafiosos do «mundo livre», não conseguiram pôr de joelhos o povo cubano, insubmisso e rebelde. Não podemos perde-lo de vista nem por um segundo. O nosso grande abraço a esse povo heróico que resistiu à potência mais poderosa, cínica, desavergonhada e impiedosa do planeta. Todo o nosso carinho e o nosso reconhecimento. Todo o nosso respeito.
Mas suspeitamos que o Pentágono, os circuitos do complexo militar-industrial, os grandes fabricantes e traficantes de armas da elite norte-americana, o Departamento de Estado e os polvos da hierarquia financeira americana estão prontos a esmagar e engolir Cuba por outros meios. Não acreditam na paz, no diálogo com pluralismo. Só trocaram um bispo por um cavalo,
Mas não abandonaram a intenção de dar xeque-mate. A estratégia continua a ser contra-revolucionária e está destinada a controlar numa situação de crise capitalista mundial e escassez de recursos naturais — todo o «pátio traseiro» à escala continental minando as defesas inimigas. Batendo onde mais dói e atacando o lado mais fraco da revolução, a sua economia.
Quem quiser acreditar no lobo está no seu direito. Quem pretender «fazer teoria», legitimando uma situação de facto com grandes malabarismos verbais e citações doutrinais sacadas da manga, que o faça. Por que não?
Os que amamos a vida e não queremos que o lobo nos devore, também temos o direito de usar a cabeça e de ter um pouco de memória. Adolfo Hitler deu-se ao luxo de fazer pactos de entendimento com a União Soviética. Foi para garantir a paz e respeitar a diversidade dos sistemas sociais? Não, a continuação teve 20 milhões de mortos do povo soviético.
O povo cubano e o seu governo revolucionário estiveram meio século separados e treinados com a arma na mão e de olho na mira, quadra a quadra, casa a casa, contra uma possível e previsível invasão militar dos gringos. Não só os militares. Cada cozinheira, cada professora, cada médico, cada pedreiro, cada motorista sabia manejar a sua arma e sabia onde tinha de colocar-se para disparar contra o invasor militar imperialista se este pusesse a sua bota suja na ilha.
Estará o povo preparado para resistir à invasão de dólares e artigos de consumo? Terão feito exercícios de treino para resistir a uma invasão de turistas com dinheiro, disparos de remessas milionárias, ataques de surpresa nocturnos das inversões de capitais, prostíbulos, casinos e a importação de todo um estilo de vida — onde o dinheiro manda e o ser humano obedece — da american way of life?
Oxalá que sim, de todo o coração o desejamos! Por eles e por elas, mas sobretudo por nós. Se Cuba for engolida e regurgitada pelo império, será um golpe duríssimo para o imaginário rebelde da Nossa América e do Terceiro Mundo e para as esperanças dos nossos povos.
Mas se Cuba não conseguir resistir a esse outro tipo de invasão (mais subtil mas não menos agressivo) muito cuidado para não os acusar de «traição». Se o fizerem é porque ficaram isolados, porque não triunfaram outras revoluções socialistas (anticapitalistas e anti-imperialistas) no continente. Nós também somos responsáveis pelos retrocessos eventuais que possa sofrer a transição para o socialismo na ilha. Se tivéssemos triunfado contra as nossas burguesias e o seu patrão imperialista, o cenário seria hoje bem diferente.
MP e SAM: Segundo reconheceram os presidentes de Cuba e dos Estados Unidos o Papa Francisco teve um papel fulcral nesta nova relação. Tem orgulho em que o novo Papa seja argentino?
NK: Não me sinto orgulhoso e tenho muita vergonha. Este Papa é muito reaccionário, ninguém se engane. Vem cumprir a obra que Wojtyla começou transformando os países do leste europeu e apoiando a contra-revolução na Nicarágua sandinista.
Porque elegeram naquela altura um Papa polaco quando a Polónia no conjunto das nações europeia sempre esteve na segunda ou terceira linha, e nunca conseguiu sequer uma independência nacional? Porque através do catolicismo tradicionalista polaco se podia atacar duramente esses governos burocráticos, impopulares, debilitados pelos seus problemas sociais internos e pela corrida armamentista imposta por Reagan e Thatcher, os dois amigos de João Paulo II.
Através da retórica oficial do catolicismo Vaticano, hierárquico, tradicionalista e eurocêntrico, dava-se cobertura «decente» aos contra da Nicarágua, financiados pelo narcotráfico e pelas armas sujas dos Estados Unidos.
E porque trinta anos depois os poderosos elegem um Papa latino-americano quando todos conhecem o eurocentrismo galopante que o Vaticano sempre exerceu, para dentro e para fora? Porque precisavam de por nos eixos a Venezuela, quebrar Cuba, subordinar o movimento campesino no Brasil (de forte ligação religiosa) e neutralizar todo o movimento popular latino-americano, uma das reservas rebeldes à escala mundial potencialmente mais explosiva e «perigosa» para a geopolítica do pátio traseiro ianque.
O Papa Bergoglio-Francisco não veio libertar ninguém. Que ninguém acredite nos seus dribles à Garrincha (jogador de futebol) do Brasil que parecia ir para um lado e acabava indo para outro) nem as suas meditadas guinadas de olhar? É verdadeiramente um jogador de truco (jogo de naipes argentino onde ganha o que sabe mentir melhor).
Com o seu tradicionalismo disfarçado de «renovador» Bergoglio-Francisco vem modernizar, aceitar e renovar a dominação, espiritual e material, dos nossos povos. Não só se calaram os rumores de maneira escandalosa e vergonhosa dos tempos sangrentos do general Videla (embora a posteriori tenham pretendido construir histórias «honoráveis» pouco credíveis para gente minimamente informada em terrenos dos direitos humanos na Argentina).
De resto nada tem que ver com a mensagem profética e rebelde das comunidades de base daquele jovem barbudo de origem judaica que andava a pé e com sandálias humildes enfrentando o poderoso império romano, questionando os grandes mercadores do templo e denunciando o fetiche do dinheiro e do mercado, enquanto falava e partilhava o pão com os seus companheiros e companheiras.
Bergoglio-Francisco que eu saiba, não dissolveu o Banco Ambrosiano nem repartiu as fortunas incalculáveis da Igreja Católica entre ninguém. Com dois ou três gestos intranscendentes, minimalistas e microscópicos que não mudam uma estrutura hierárquica e sacerdotal de fundo (com milénios de história ao lado dos poderosos, desde as Cruzadas e a Inquisição, a caça às bruxas e Colombo, até Hitler, Videla e Pinochet), Bergoglio vem pôr na ordem não só Cuba mas todos os rebeldes latino-americanos e do Terceiro Mundo.
Devo confessar que o que mais me dói é ver alguns pensadores da teologia da libertação que respeitava e amava (continuo a respeitá-los, embora me doa vê-los assim), numa atitude submissa e obediente, desfazendo tudo o que se havia acumulado desde Frei Bartolomeu de las Casas até Camilo Torres.
No fim, a mensagem profética ressurgirá, não tenho a menor dúvida. Até o poder mais absoluto (militar, económico ou simbólico) é passageiro e transitório na história. O poder do Vaticano, na aparência hoje inexpugnável, não é excepção. As igrejas empresariais e televisivas (que compram cinemas milionários e caríssimos canais de televisão com dinheiro de…?…) e a auto-ajuda também não são a alternativa.
O respeito autêntico pelas pessoas humanas e a verdadeira espiritualidade está — tem que estar — para além do mercado, do dinheiro e do capital. Continuo a acreditar que a verdadeira espiritualidade virá com o socialismo como projecto integral, plural e revolucionário, onde crentes ou ateus lutaremos juntos, lado a lado, mão na mão, ombro a ombro, contra os grandes moinhos de vento do capital e das suas instituições.
MP e SAM: Neste novo contexto mundial quais são os desafios das lutas dos povos na transformação da América Latina?
NK: Continuar a resistir! Não se desmoralizar nem perder a bússola em meio da tormenta e da neblina. Teimar com tenacidade, com força, com convicção por que não? Com fé, como pedia José Carlos Mariátegui) na verdade histórica, nos projectos revolucionários culturais sociais, integrais e radicais, na revolução mundial socialista. A confusão e desmoralização são, se as avaliarmos em termos de longa duração, passageiras.
O poder dos capitalistas, embora pareça hoje inexpugnável, tem data de vencimento a curto prazo, como a maionese. Vivem para o dia-a-dia, arruinando o planeta de forma acelerada. O nosso projecto, pelo contrário, é a longo prazo e permanente. Não devemos retroceder. Não devemos entregar-nos.
Que as sereias continuem a cantar e a tentar seduzir, nós devemos caminhar em busca da terra prometida de Moisés e procurando encontrar um lar comum (sem mercado de exploração) que Ulisses perseguia, compartilhando pão como Jesus pregava.
A longo prazo isso é o que perdura na história. Não se trata do lado em que há mais dinheiro» mas de que lado está o dever. Às crianças Deus os vomita? Os confusos, os cansados, os vacilantes, os que nadam contra a corrente do momento e se acomodam sempre onde brilha o sol ou se colam à onda da moda com a melhor cara de aniversário e ar feliz perdem-se no pó anónimo, cinza e difuso da história. Espártaco, Tupac Amaru e Rosa Luxemburgo, pelo contrário continuam ao nosso lado… unidos e em relevo, com dignidade e de pé.
Quem se lembra hoje dos que vacilaram e se entregaram?
O movimento popular da Nossa América deve — devemos continuar a lutar a partir das nossas próprias histórias e tradições, cada um a seu modo, preparando-se para todas as formas de luta sem nos ligarmos a nenhuma. Aprendendo com todas as armadilhas e manobras sujas com que assassinaram Emiliano Zapata e Augusto César Sandino, Martin Luther King e Malcom X.
MP e SAM: Que papel desempenhou o marxismo nos últimos 30 anos na Argentina desde que os militares do general Videla e do almirante Massera se retiraram até hoje?
NK: O nosso marxismo foi primeiro esmagado, aniquilado, queimado nas pessoas, nos livros e produções culturais. O nosso marxismo não perdeu qualquer debate de ideias, fomos aniquilados e assassinados da forma mais perversa, que é algo completamente diverso. Fogueira, tortura, violação, aniquilamento e os desaparecidos, vieram as becas, as insígnias, os politiqueiros, os editoriais prestigiosos, a cooptação.
Mas hoje há uma nova geração que ronda os 20 anos e que está à procura. Reaparecem dispersos, mas reaparecem os ecos nunca apagados de todo, os sinais e símbolos da tradição insurgente e do marxismo rebelde. Está a nascer algo novo. O nosso papel modesto e microscópico é apoiar o novo que nasce, tratar de orientar, dar elementos para que essa nova geração faça o seu caminho, construa a sua experiência, não escute e desobedeça à voz do dono. E que sobretudo se inteire de que a luta não parte do zero.
Antes de nascermos e andarmos de fraldas ou a tirar o ranho do nariz já havia muita mas muita gente a lutar. Há que conhecer esses homens e mulheres. Há que estudá-los para pode aprender e recriar um novo imaginário rebelde, radical, insurgente e revolucionário, à escala nacional, continental e mundial. Sem memória e sem história, sem fortalecer a nossa identidade e a nossa cultura, estamos perdidos antes de começar.
MP e SAM: Como vê o marxismo latino-americano à escala continental?
NK: Muito melhor que há 20 anos! Há vinte anos, ninguém, nem os mais radicais se animavam a mencionar duas palavrinhas-chave «socialismo» e «imperialismo». Hoje são moeda corrente. Tudo está em discussão, mas o que está claro é que o imperialismo continua a existir, vigiando, controlando, violando a soberania de outros países, reforçando o domínio do capital onde quer que esteja, enquanto continua de maneira tradicional e enlouquecida destruindo o nosso planeta.
Também está fora de questão que o neoliberalismo não continue, que outro mundo seja possível e que esse mundo é e deva ser o socialismo. Qual socialismo? O que está aqui, pelo menos por agora, não resulta. Será socialismo em capítulos privados, mercado generalizado, consumo desenfreado e competição entre as empresas ou será pelo contrário uma planificação socialista e participativa dos recursos sociais, ecológica, antipatriarcal, anti-imperialista e anticapitalista? É evidente que a disputa está aberta e o marxismo de Marx e de Che Guevara tem muito que dizer a esse respeito… Ou é hoje impensável uma sociedade que não esteja regulada pelo mercado?
Causa dó e até um pouco de pena, para não dizer vergonha, ouvir ou ler apologias do mercado em mil tons, melodias e cores, realizadas em nome do socialismo. O modelo mercantil do «cálculo económico» contra o qual batalhou pacientemente Che Guevara nos anos 60 é hoje um jogo de crianças ao lado das argumentações que circulam citando as autoridades mais diversas, desde Nicolas Bukharin a Deng Xiaoping, desde Charles Bettelheim a Alec Nove, entre muitos outros e outras.
Um dos grandes desafios pendentes do marxismo do Século XXI consiste em desmontar a falsa homologação de mercado e democracia. Para poder concretizá-lo, como mínimo, há que ESTUDAR. As ordens já não chegam. E para decifrar os enigmas não resolvidos há que superar o divórcio entre um marxismo académico (erudito mas impotente e inoperante, que vibra e dança segundo a última música da academia parisiense ou nova-iorquina) e um saber militante abnegado e esforçado mas que não estuda, não lê, não está informado e suplanta a falta de formação da militância de base com palavras de grande efeito ou com a importância acrítica ou mágica do «modelo chinês», do modelo «jugoslavo» ou qualquer outro ensaio de gabinete.
MP e SAM: caducaram as formas de luta radicais no novo contexto regional e mundial?
NK: Estou muito mal e muito pouco informado. Quase não vejo TV nem ouço rádio nem leio os jornais, não vejo a Internet. Mas… segundo as poucas notícias que chegam ao meu bairro e os meus vizinhos me contam na loja, o Pentágono não se dissolveu. A CIA não aposentou ninguém. A NSA não enviou os seus milhares de agentes para veranear e beber uns copos. As forças armadas não desapareceram. A polícia multiplica-se. As prisões não se transformaram em salas de baile e de festas. As leis «antiterroristas» existem. Talvez tudo isto tenha acontecido e eu não o tenha visto na televisão, mas suspeito que não aconteceu. Então…? Porque deve o movimento popular resignar-se à mansidão?
Há dados históricos inegáveis. Não podemos fazer como o avestruz que esconde a cabeça e finge que não vê. Os nossos irmãos com maiúsculas de Cuba dissolveram o antigo Departamento de Libertação Nacional, já denominado Departamento América, onde actuavam Manuel Piñero Losada, popularmente conhecido como Barbaruiva, com muitos amigos. Bom, têm todo o direito do mundo. Continuamos a gostar deles, a admirá-los e a respeitá-los. Não julgamos. Não opinamos. Não abrimos a boca.
Mas o resto do movimento rebelde, popular, insurgente e radical da Nossa América porque tem que dissolver-se? Hoje há muito mais pobreza, exploração, desemprego e exclusão que nos anos 60. Porque deveríamos renunciar à perspectiva, ao projecto, à estratégia da revolução se os nossos inimigos continuarem firmes sem abandonar as suas posições?
Tenho a sensação de que hoje já não temos nem pais nem avós, nem Mecas nem Vaticanos ideológicos (utilizo agora estas expressões em sentido metafórico). Estamos «órfãos». Com toda a história às costas, que reivindicamos com orgulho e com humor, sem renegar absolutamente nada de nada, mas já sem «estados guias», nem Vaticanos ideológicos. Nem Moscovo, nem Pequim, nem Albânia, nem Havana, nem Paris. Perdão, não queremos ofender ninguém, dizemo-lo com todo o respeito do mundo. E quem quiser dar conselhos que o faça, tem todo o direito. Mas nós só ouvimos, não obedecemos.
Hoje há muitas novas potências emergentes (assim lhes chamam nos noticiários) que talvez possam dar apoio circunstancial aos inimigos dos seus inimigos, mas nenhuma destas potências tem um projecto anticapitalista nem anti-imperialista sério. No melhor dos casos tem disputas geoestratégicas e geopolíticas, mas de nenhum modo se propõem construir uma sociedade socialista ou comunista à escala planetária. Nem por sombras! Não nos enganemos.
Sim somos realistas, hoje o movimento popular só pode contar com as suas próprias forças. Devemos recriar o imaginário rebelde e revolucionário preparando-nos e mentalizando-nos para uma luta longa e difícil que não se resolverá dentro de seis meses. Aquele garoto do meu bairro de que lhes falei, Nicolo Maquiavel, garantia que lutar desta maneira é muito mais difícil. Custa muito mais construir uma força própria sem muletas alheias. Mas quando se consegue construir torna-se indestrutível, porque não se depende de ninguém.
MP e SAM: Quais são em tua opinião as tarefas das novas gerações de jovens militantes na Nossa América e no mundo?
NK: Precisamente essa é a principal tarefa para as novas gerações. Aprender do passado, apropriar-se de toda a história de luta, resistência, internacionalismo, heroísmo e abnegação, valorizar, conhecer, reconstruir, mas já sem Vaticanos. Necessitamos de construir uma força popular e revolucionária de alcance, no mínimo, continental, que seja própria. Sem aplicar já «modelos» passados, nem o ataque súbito ao palácio de Inverno, nem a longa marcha, nem o internacionalismo centrado unicamente em Paris e Bruxelas, nem o foco rural do Caribe nem o sindicalismo economicista, nem a esquerda exclusivamente parlamentar e institucional.
Pensar uma estratégia para os novos tempos, talvez até combinando e articulando todas estas formas, sem nos ligarmos mecânica e dogmaticamente a nenhuma delas de modo excluente como se fosse um catecismo. Os nossos inimigos manejam todas as formas de luta! Essa é uma tarefa da nova geração. Uma tarefa imensa, mas apaixonante.
E acabaria dizendo a um garoto ou uma garota de 20 anos: esta tarefa pendente, se quisermos, é não só necessária e urgente, também é uma experiência «divertida» e «atraente». Muito mais atractiva e apaixonante do que qualquer experiência medíocre e opaca que oferece o capitalismo para a nossa vida quotidiana.
O marxismo rebelde da Nossa América e as aventuras e desventuras da revolução socialista oferecem hoje mais que três doses de droga, que 5 igrejas evangélicas, que 17 livros de auto ajuda, que 35 jogos electrónicos, e que oito camiões de cerveja. Nós temos tarefas estratégicas que só podem ser realizadas pelos jovens do Século XXI. Temos toda a confiança do mundo que poderão assumir semelhante tarefa. Se o conseguirem, nós vamos segui-los e apoiá-los contentes e felizes.
Tradução: Manuela Antunes
(Com odiario.info)