domingo, 14 de outubro de 2012

A atualidade da Revolução Soviética e a questão do Estado -1 . (Os grifos são meus, José Carlos Alexandre)

                                                                    Bolcheviques russos    PCB                         
                                   

Mauro Luis Iasi -2


Até  quando o mundo

será governado pelos tiranos?

Até quando o oprimirão

com suas mãos cobertas de sangue?

Até quando se lançarão

povos contra povos

numa terrível matança?

Até quando

haveremos de suportá-los?

Bertolt Brecht

De certa maneira, a história sempre é feita de forma retroativa e com os olhos no futuro. Voltamos nossas pegadas em direção ao passado para encontrar uma linha de acontecimentos que nos ajude a entender os caminhos que podem nos levar até o futuro que escolhemos. Este tipo de história recorrente, como já foi criticado por Foucault (1984: 15 e ss.) depois de Nietzche, corre o risco de tirar os acontecimentos da própria história deslocando-os para o lugar nenhum do idealismo supra-histórico.

Para Marx, no entanto, ainda que a história seja feita pelos próprios seres humanos, nos contextos concretos de formações sociais concretas, no calor cotidiano da luta de classes, não se pode reduzir a história ao momento singular do acontecimento. A ação dos seres humanos em cada momento se insere em momentos históricos maiores, em transições históricas que desvelam os caminhos pelos quais uma forma particular de produção da vida vai se transformando em outra.

Assim, alguns acontecimentos só alcançam sua dimensão quando o processo de mudança acaba por se concluir. A própria revolução Francesa de 1789 foi, em sua época, esquecida como não mais que um acontecimento qualquer no mar tumultuado que separava o século XVIII do século XIX. É somente com o desfecho da transição entre o feudalismo e o capitalismo que o episódio da Revolução Francesa é destacado como um ponto importante de superação política que abre uma época histórica.

O mesmo ocorre com a revolução Russa de 1917. Os dramáticos acontecimentos que se seguiram à queda do Czarismo em fevereiro até a tomada do poder pelo proletariado em outubro de 1917 podem ser entendidos apenas como o produto de uma singular correlação de forças que se apresentou apenas pela emergência de um contexto histórico concreto excepcional: a guerra mundial e a particular persistência de uma autocracia anacrônica. 

No entanto, se localizarmos tal acontecimento em seu contexto histórico mais abrangente, veremos que se desatava na Rússia um nó que havia se formado desde a Comuna de Paris de 1871 e que chegara ao início do século XX através de um profundo dilema que atormentava a vida dos grandes partidos de massa europeus de orientação marxista.

É verdade que a história só pode ser jogada no terreno concreto dos acontecimentos, mas não pode ser compreendida caso limitemos a análise a eles. Os acontecimentos que marcam o final do século XIX e o início do século XX só podem ser compreendidos se entendermos que, no momento mesmo no qual o capitalismo se firmava como um modo de produção autônomo, ocorre a emergência de um proletariado que não encontra lugar nesta nova ordem, a não ser como a força de trabalho a ser explorada pela euforia da acumulação crescente de capitais.

O paradoxo da igualdade liberal, aquele no qual só se pode falar em igualdade formal perante a lei uma vez que a igualdade de propriedades e riquezas é impossível na ordem capitalista, ainda estava em processo de formação. Contra o proletariado que se levanta exigindo ampliação de direitos, a ordem burguesa, ainda não plenamente consolidada, responde com a repressão aberta, legislações proibitivas da organização dos trabalhadores, restrição do direito de voto e outros mecanismos de controle como se viu no ciclo revolucionário de 1848 e na própria Comuna de Paris em 1871.

A consolidação dos Estados Burgueses na Europa Ocidental, que acompanha o processo gradual de passagem da subordinação formal para a subordinação real do trabalho ao capital, faz com que a atitude autoritária do Estado Burguês, ao mesmo tempo em que mantém os mecanismos repressivos contra as formas de ação direta dos trabalhadores (greves, organização para a luta econômica, insurreições, etc.) deixa, cada vez mais, aberta a possibilidade de participação política eleitoral.

Esta será a base da formação dos grandes partidos de massa social-democratas na Europa Ocidental do final do século XIX.  Enquanto uma parte das forças operárias resiste em participar do jogo eleitoral, notadamente a corrente anarquista que denunciava as eleições como uma armadilha que distanciava os trabalhadores das lutas diretas contra a ordem burguesa, os grandes partidos social-democratas de orientação marxista tendiam a acreditar que as eleições poderiam ser importantes espaços de divulgação de seu programa, neste momento ainda um programa socialista, ou seja, que afirmava a necessidade de constituição de um Estado Proletário que socializando os meios de produção iniciasse uma transição socialista.

O sucesso desta alternativa se deve a inúmeros fatores, entre eles a própria persistência das restrições autoritárias a qualquer outra forma de ação direta como as greves que seguiam sendo reprimidas, como pode ilustrar a legislação antissocialista na Alemanha. Além disto, como analisa o próprio Engels, a evolução da tecnologia militar praticamente inviabilizava o sucesso das lutas de rua e das barricadas que marcaram os levantes proletários do final do século XIX, referindo-se ao surgimento do fuzil de repetição e do uso de artilharia leve que podia ser levada para dentro das cidades, assim como a criação de grandes avenidas que, além de tornar mais bela a cidade de Paris para as madames passearem com suas sombrinhas e cachorros, permitia a locomoção de batalhões, cavalarias e artilharia para combater os levantes operários.

Entretanto, o principal fator do crescimento desta alternativa foi mesmo seu aparente sucesso. Considerando a evolução eleitoral dos partidos social-democratas vemos um vertiginoso crescimento. O SPD alemão obteve 125 mil votos em 1871, passou para 312 mil em 1881 e 1.427 000 em 1891. Já em 1914 alcançava a maioria relativa, tornando-se o maior partido político da Alemanha com 4 250 000 votos (Przeworski, 1989: 32). E a Alemanha não foi uma exceção. Na Áustria os socialistas passaram de 21% dos votos em 1907 para 40,8% em 1919. O mesmo ocorria na Bélgica (13,2% dos votos em 1894 para 39,4% em 1925), na Holanda (3% em 1896 para 18,5% em 1913), na Suécia (3,5% em 1902 para 36,4% em 1914), na Noruega (0,6% em 1897 até os 32,1% em 1915) (idem: 32-33).

Os resultados eleitorais levaram a socialdemocracia a acreditar que o caminho eleitoral poderia levar a algo mais que uma simples utilização tática que permitia divulgar o programa socialista enquanto se acumulavam forças para uma revolução socialista. Passou-se a acreditar que a burguesia havia cometido uma imprudência chamando o proletariado para o campo da disputa eleitoral, uma vez que, sendo maioria numérica os trabalhadores, no dia que se comportassem política e eleitoralmente como trabalhadores, inevitavelmente venceriam as eleições.

Envoltos no calor das disputas conjunturais, os trabalhadores não atentavam para o fato de que a escolha deste caminho, ainda que taticamente apresentasse resultados surpreendentes, redefinia a compreensão que os marxistas tinham do Estado e sua postura diante dele, assim como acabava por alterar a identidade de classe transformando-a em não mais que parte da massa, do povo. A revolução Russa e o próprio desfecho trágico da revolução Alemã colocarão dramaticamente a questão do Estado de volta ao centro do debate, da mesma forma como acreditamos que tal questão consiste exatamente no fator de maior atualidade destas experiências que abriram a história política do século XX.

Por motivos que estão profundamente ligados a forma com se constituiu a formação social russa, o espaço eleitoral havia sido obstaculizado pela autocracia czarista. Em 1905, como forma de ceder às pressões revolucionárias, o Czar havia aberto a possibilidade de representação política através das Dumas e Zemstvos (espécie de parlamentos regionais e locais), mas esta prática representativa restringia-se a setores descontentes da nobreza e parte da burguesia em ascensão. Para os trabalhadores, restava a boa e velha repressão, desde a proibição da organização sindical até o fechamento sangrento dos Sovietes (conselhos criados no curso das lutas de 1905) na insurreição de Moscou.

A formação do Partido Operário Social Democrata Russo (POSDR) em 1898 trazia as mesmas pretensões de seus colegas ocidentais, mas, enfrenta uma realidade muito distinta. Tudo parecia indicar que a velha Rússia nada mais era que a versão “em atraso” do processo que já se dera na França e depois na Alemanha. No entanto, nós temos que aprender de uma vez por todas que não existe história “em atraso”, pelo simples fato que a história não acontece primeiro num lugar para, depois, acontecer em outro, ela é simultânea. O drama russo, exatamente por suas particularidades, era paradoxalmente a solução do impasse alemão.

Ao obstaculizar os caminhos de integração eleitoral, que exigiam como base material o desenvolvimento de relações especificamente capitalistas de produção que tornassem possível a subordinação real do trabalho ao capital, o Czarismo permitiu que o movimento revolucionário retomasse o caminho da organização autônoma e independente na forma dos sovietes. A chave do futuro estava no passado: na Comuna.

Mas, não seria a Revolução Russa uma reminiscência, um eco do passado tornado possível pela situação excepcional da guerra, que permitiria, por exemplo, o armamento da população e a neutralização dos fatores tecnológicos ressaltados por Engels? Acreditamos que não.

Primeiro porque o passado não produz ecos. O que ocorre é que dialeticamente os elementos que conformaram as novas formas germinam nas velhas, da mesma forma que nas novas ainda persistem traços das velhas formas superadas. Marx (2008) considerava a Comuna a “forma finalmente encontrada” de Estado Proletário capaz de materializar as condições políticas da transição socialista. Naquele momento histórico, no entanto, não poderia passar de um germe que não encontrava todas as condições para se desenvolver. Mas o que faria da Comuna um germe da forma nova e não apenas um acidente? 

Caso nos limitemos a “álea singular do acontecimento”, como quer Foucault (1989:28), não é possível saber. Nas determinações conjunturais de uma determinada luta concreta marcada pela Guerra Franco-Prussiana, os trabalhadores franceses encontraram uma forma de organização política que foi a Comuna. Em outro momento diverso, o da Primeira Guerra Mundial, em outro contexto singular, o da crise da autocracia russa, os trabalhadores russos encontraram outra forma: os sovietes.

Nesta perspectiva, a história se converte no acaso aleatório de contextos particulares que não estabelecem entre si nenhuma conexão, a não ser pela apropriação violenta de “sistemas explicativos” que buscam fugir da aleatoriedade prendendo-a no esqueleto da dialética. Para os marxistas, no entanto, estamos diante de muito mais que uma coincidência. Estamos diante de um movimento em espiral no interior do qual o aparente retorno às formas superadas indica apenas o movimento contínuo de superação e negação sucessivas das formas históricas pela ação dos seres humanos.

No fluir contínuo da história, os seres humanos enfrentam suas tarefas com as armas que dispõem, mas, ao agir sobre o terreno objetivo legado pela história anterior, acabam por criar outros patamares de objetividade sobre o qual as novas gerações podem agir. Os comunardos de 1871 não apenas enfrentaram sua época histórica com ousadia e foram derrotados, mas deixaram um patamar de possibilidades sobre o qual podemos pensar nossa ação em outro contexto histórico concreto. Foucault tem razão ao afirmar que a história não existe fora de uma construção humana, mas nós não temos nada contra as construções humanas desde que não fetichizadas.

O que a Comuna de 1871 coloca como novidade no fazer histórico e que os russos recriam nas condições concretas de sua luta contra o Czar é a questão do Estado em toda a sua complexidade.

Com a queda do czarismo, forma-se um governo provisório inicialmente constituído pela aliança entre a nobreza liberal e a burguesia. Entretanto, tal composição é absolutamente insuficiente para dar base real de sustentação ao novo governo e permitir a legalização e consolidação de uma nova ordem que substituiria a autocracia. Uma vez que as massas sublevadas de operários, camponeses, soldados e marinheiros formam o sujeito das ações que levaram à derrubada do Czar, além do fato de que a adesão dos soldados e marinheiros quebrou o aparato repressivo do Estado, o Governo provisório não encontraria nenhuma legitimidade se não lograsse atrair estes setores para a sustentação do governo.

As massas rebeladas se fazem representar pelos Sovietes e estes, por sua vez, são formados por representantes eleitos diretamente nos locais de trabalho, nos comitês agrários ou nas bases militares, são o espaço de ação política de inúmeras organizações políticas, entre elas os anarquistas, os Socialistas Revolucionários (herdeiros do movimento camponês que lutou pelo fim da servidão no Movimento Terra e Liberdade e que em 1901 havia se convertido em partido político) e o POSDR, com suas facções Menchevique e Bolchevique.

Desde 1902, mas de forma mais nítida a partir de 1905, os socialdemocratas russos dividem-se em avaliações muito distintas sobre a forma de conduzir as ações revolucionárias. Enquanto a facção menchevique se aproxima da tradição socialdemocrata ocidental da II Internacional, principalmente pela influência alemã, os bolcheviques produzem uma leitura ao mesmo tempo ortodoxa e subversiva.

A II Internacional, organização que procurava recriar a associação dos trabalhadores com base nos grandes partidos de massa que se formaram no final do século XIX, se fundamentava em uma leitura aparentemente ortodoxa e fundamentalista de Marx para chegar a conclusões muito heterodoxas, que se distanciavam muito daquelas apontadas pelo criador do materialismo dialético.

Baseados na afirmação de Marx segundo a qual nenhuma sociedade nova aparece antes que se desenvolvam todas as forças produtivas que a velha sociedade é capaz de conter, e nenhuma relação social de produção nova se apresenta antes que se desenvolvam as condições materiais para tanta no interior da sociedade antiga (Marx, 1977), os socialdemocratas afirmavam que a revolução em curso naquele momento histórico era uma Revolução Democrática Burguesa, que, ao desenvolver as forças produtivas, acabaria por gerar as condições para uma futura superação socialista.

Este seria o componente da ortodoxia que beira, inclusive, uma leitura determinista e economicista. No entanto, aferrando-se a essa impossibilidade, os socialdemocratas da Segunda Internacional irão moldar toda sua tática e estratégia política nos limites da “etapa” democrática e, portanto, nos limites da ordem burguesa, o que os levaria a uma ação política absolutamente heterodoxa. 

Tratava-se de ocupar espaços no interior da ordem institucional, principalmente através das eleições e das lutas sindicais, de forma a acumular forças. Vimos, entretanto, que a dimensão do crescimento eleitoral os faz crer que seria possível ir mais além e disputar diretamente o controle do Estado Burguês, colocando-o a serviço da maioria da população, o que o converteria em um Estado Proletário, tornando possível iniciar a transição socialista sem a necessidade de uma ruptura revolucionária e da destruição do Estado.

No caso russo, a impossibilidade da ocupação de espaços institucionais, sejam sindicais ou político-eleitorais, levou à queda do czarismo por meio de uma insurreição. A formação do governo provisório e o chamamento para que o Sovietes participassem do governo, aceitando ministérios importantes, no entanto, atualizam a possibilidade da leitura heterodoxa segundo a qual era possível disputar o controle do Estado Burguês.

Os mencheviques acusavam os bolcheviques de não serem ortodoxos o suficiente na leitura estrutural que determinava a impossibilidade de uma revolução socialista e, paradoxalmente, de serem demasiado ortodoxos na tática política quanto ao Estado Burguês.

Em verdade, a leitura de Lênin e Trotski se diferenciava das forças hegemônicas na II Internacional, não pela maior ou menor ortodoxia, mas pelo maior ou menor domínio da dialética. A relativização do elemento dialético do método de Marx e Engels faz com que a socialdemocracia entenda a famosa afirmação de Marx sobre a relação entre o avanço das forças produtivas e a contradição com as relações sociais de produção de forma mecânica, isto é, separando de maneira absoluta os aspectos objetivos e subjetivos do processo de mudança social.

Como bom materialista, Marx ressaltou que não seria possível a mudança sem que se desenvolvessem as condições materiais para tanto, em diálogo crítico diretamente dirigido aos socialistas utópicos. Mas, em nenhum momento, vemos a afirmação de que o mero desenvolvimento das forças produtivas levaria, por si só, às mudanças sociais. 

A contradição objetiva entre o avanço das forças produtivas e as antigas relações sociais torna possível uma época de revolução social, mas não a faz. São os seres humanos que, em cada época, se dividem entre aqueles que lutam para manter as relações tal como estão e aqueles que representam a necessidade histórica de criar novas relações de produção que fazem a história andar ou manter-se como está.

Ao lado dos fatores objetivos que tornam possível uma mudança histórica deve juntar-se os fatores subjetivos, a saber, a ação política da classe revolucionária. Visto por este ângulo, o fazer histórico é resultado da síntese entre esses fatores objetivos e subjetivos e, portanto, são muitas as combinações possíveis no terreno concreto da luta de classes. 

Os trabalhadores podem encontrar condições políticas para desfechar uma ação contra a classe dominante, em parte produzida por acontecimentos e contextos históricos precisos, sem que as condições objetivas estejam plenamente maduras; ao mesmo tempo em que podem ocorrer que as condições objetivas se apresentam sem que a classe revolucionária tenha desenvolvido os meios próprios de organização, de consciência e de ação revolucionária que poderiam inscrevê-la como um sujeito histórico dotado de autonomia histórica.

O primeiro caso é típico do que ocorreu na Comuna e, de certa forma, como veremos com a própria experiência soviética, o segundo se aproxima muito da situação atual em que nos encontramos e o quadro que, durante o século XX, prevaleceu nos países centrais do capitalismo.

Ocorre que a combinação dos fatores objetivos e subjetivos não é mecânica, isto é, quando os trabalhadores agem em uma situação na qual as condições objetivas não estão dadas e vão ousadamente além dos limites do possível, alargam o próprio horizonte das possibilidades, criam novos patamares políticos para as ações futuras da classe. 

Mesmo diante da constatação serena segundo a qual não havia condições para que a ação política dos comunardos iniciasse uma transição socialista, em nenhum momento Marx se somou àqueles que criticaram os revolucionários franceses de 1871 afirmando que eles não deveriam ter pegado em armas; pelo contrário, saldou a iniciativa de tentar “tomar de assalto os céus”.

A socialdemocracia oscila em seu oportunismo ao afirmar o materialismo sem a dialética para, logo depois, enfatizar a dialética sem o materialismo. Se, em um primeiro momento, apega-se ao materialismo para afirmar a impossibilidade da revolução socialista e a necessidade de participar da ordem institucional burguesa, em um segundo momento faz-se o elogio do movimento e do processo desconsiderando peremptoriamente as condições objetivas dentro das quais há que atuar.

No caso da questão do Estado este dilema é evidente. Os mencheviques, diante da constatação da possibilidade de participar do Governo Provisório e da certeza de que se encontravam em uma “etapa” democrática, desenvolvem a convicção de que o caráter de classe do Estado pode ser alterado pela natureza das forças políticas que o ocupam; neste caso, a disputa dos setores ligados aos sovietes com a burguesia, nas condições concretas da revolução russa, favoreceria o caráter proletário do estado. Como se vê, ao enfatizar os aspectos políticos, se desconsideram ou relativizam as determinações econômicas sobre as quais se funda o Estado russo neste momento, da mesma forma que, antes, ao ressaltarem os aspectos econômicos, haviam desconsiderado os políticos.

Poderia parecer àqueles que viviam esta época que os bolcheviques se apegavam ao preciosismo dos conceitos, enquanto os mencheviques buscavam pragmaticamente os caminhos reais disponíveis que os levaram a controlar o Estado. No entanto, as coisas não são tão simples.

Os socialdemocratas da II Internacional passam a afirmar, numa clara demonstração de sua ortodoxia econômica e heterodoxia política, que o conceito de Estado de Marx estava superado. Lênin (2007), em seu trabalho O estado e a revolução, debatendo criticamente tanto com os mencheviques como com Kautsky, recupera a teoria de Estado de Marx e Engels para afirmar que não é possível conciliá-la de forma alguma com qualquer tática que afirme a possibilidade de partilhar do Estado Burguês ou de buscar utilizá-lo como forma política que conduza os trabalhadores até a transição socialista.

Partindo da afirmação de Engels segundo a qual o Estado não é de forma alguma uma força imposta do exterior à sociedade, mas é  um produto desta própria sociedade em uma fase de seu desenvolvimento, fase esta na qual a sociedade se divide em classes antagônicas, Lênin e os mencheviques tiram conclusões diversas. Como Engels afirma que a divisão de classes produz um movimento no qual o Estado aparentemente “se afasta da sociedade” para evitar que a sociedade se consumisse em uma luta estéril, afastando-se dela cada vez mais, os mencheviques concluem que o Estado é um espaço que torna possível a conciliação que na sociedade não pode se dar.

Lênin, por sua vez, interpreta a frase como sendo a comprovação de que o Estado nasceu do caráter inconciliável das classes, portanto, se a conciliação fosse possível não seria necessário o Estado como uma força que se coloca aparentemente acima da sociedade, e a palavra chave aqui é o “aparentemente”. Para reforçar seu argumento, Lênin recorre a esta citação de Engels:

Como o Estado nasceu da necessidade de refrear os antagonismos de classe, no próprio conflito dessas classes, resulta, em princípio, que o Estado é  sempre o Estado da classe mais poderosa, da classe economicamente dominante que, graças a ele, se torna politicamente dominante e adquire, assim, novos meios de oprimir e explorar a classe dominada. (Engels, apud Lênin, 2007: 30)

Como podemos comprovar, o argumento de Engels é que o Estado se coloca aparentemente acima dos conflitos de classes, uma vez que atua no interior deste conflito como expressão política de uma das classes em luta. Na verdade, a suposta renovação do marxismo pelos membros da II Internacional os aproxima da clássica visão contratualista e liberal segundo a qual o Estado é fruto da decisão consciente e voluntária dos indivíduos para evitar a guerra hobbesiana de todos contra todos. Para Lênin, a conclusão necessária é que o Estado seria um órgão de dominação de classe que consolida e legaliza uma ordem de exploração de uma classe sobre outra.

Os mencheviques contra-atacam afirmando que esta é uma posição por demais ortodoxa de Lênin. As coisas mudam e o Estado contemporâneo mudou. O conceito clássico de Estado em Marx, e que Engels compartilha, que o transforma em um instrumento exclusivo da burguesia a serviço de seu domínio, é um conceito próprio da época de Marx, tendo ficado preso aos limites do século XIX. Este autor teria vivido apenas um momento em que a burguesia de fato utiliza seu estado como um instrumento exclusivo de poder e trata as classes dominadas de forma autoritária, negando-se a abrir o Estado à disputa dos outros seguimentos sociais, como se comprova pelos acontecimentos de 1848 e 1871. Marx não teria presenciado o surgimento do Estado democrático representativo moderno através do qual a burguesia é obrigada, até pela pressão das lutas proletárias, a abrir seu Estado á disputa das outras classes.

Mais uma vez, as coisas não são bem assim. Ao comentar o Estado representativo moderno, Engels, que viveu mais que Marx, não se ilude com as aparências e afirma que:

O Estado representativo moderno é um instrumento de exploração do trabalho assalariado pelo capital. Há, no entanto, períodos excepcionais em que as classes em luta atingem tal equilíbrio que o poder público adquire momentaneamente certa independência em relação às mesmas e se torna uma espécie de árbitro entre elas. (Engels, apud Lênin, 2007: 30)

Apesar da afirmação taxativa da primeira parte da frase, na qual Engels não deixa a menor dúvida sobre o caráter de classe do estado contemporâneo, os socialdemocratas mencheviques se apegam à segunda parte da frase para afirmar que o companheiro de Marx constata que, no momento em questão, o Estado teria se convertido, graças a uma especial correlação de forças, em uma espécie de árbitro que se coloca acima do conflito de classes, convertendo o Estado em um espaço de conciliação dos interesses das classes.

Ora, uma leitura atenta não pode chegar a esta conclusão. Notem as expressões claras de Engels que relativizam a constatação correta da existência de momentos de equilíbrio nos quais o Estado se apresenta aparentemente “acima dos conflitos”. O que são “períodos excepcionais”? São situações raras que não se produzem toda hora nem podem ser típicas de um período histórico. 

O feudalismo não foi um período “excepcional” em que prevaleceram as suseranias e vassalagens, pois durou mais de mil anos. Se você passa por um período de muito azar nos últimos quarenta anos, não é um período, você é mesmo muito azarado. Segundo o autor, estes períodos “excepcionais” são “momentâneos”, e o Estado adquire “certa independência”. O que quer dizer o termo “certa” antes da palavra independência? 

Quando seu pai fala que você tem “certa independência”, ele quer dizer de fato que você não deve inadvertidamente acreditar que é independente, pois enquanto morar em sua casa terá que obedecer a suas regras. Da mesma maneira, o Estado se tornaria uma “espécie” de árbitro. Uma “espécie”? O que uma pessoa diria ao ser convidada a participar de uma “espécie” de faculdade que promete transformar o estudante em uma “espécie” de médico?

A frase central segue sendo a primeira: o Estado representativo moderno é um instrumento de exploração do trabalho assalariado pelo capital. O sentido geral da frase é exatamente que, mesmo em momentos nos quais o Estado se apresenta como se fosse neutro, como uma espécie de árbitro, ele segue sendo um instrumento da classe dominante que consolida e legaliza seu domínio.

O próprio Marx não assistiu esta polêmica de tão longe como creem os socialdemocratas, pois já ouvia esta balela de que o Estado é a representação do “interesse geral”, do “bem comum”, do “conjunto da sociedade” dos representantes do pensamento burguês desde suas origens, através de Hobbes, Rousseau, Locke, Montesquieu e tantos outros. O pensamento de Marx enfrenta esta afirmação de maneira muito precisa afirmando que o pensamento burguês se perde na confusão entre a forma e o conteúdo do Estado.

Falando sobre o “Estado atual”, Marx afirma que:

A “sociedade atual” é a sociedade capitalista, que existe em todos os países civilizados, mais ou menos livres de complementos medievais, mais ou menos modificada pelas particularidades do desenvolvimento histórico de cada país, mais ou menos desenvolvida. Pelo contrário, o “Estado atual” se modifica com as fronteiras de cada país. No Império Prussiano é diverso do que existe na Suíça, na Inglaterra é diferente dos Estados Unidos. O “Estado atual” é, portanto, uma ficção. (Marx, s/d [1875]: 221)

O texto parece indicar, se considerarmos o conjunto da obra do autor, que há  uma distinção entre os aspectos que determinam o caráter do Estado, sua substância, seu conteúdo, e os aspectos que conformam sua expressão aparente, sua forma; da mesma maneira que, por analogia, o valor de troca é apenas a expressão do valor, podendo se apresentar nas inúmeras proporções em que um valor de uso se troca por outro, mas que podem expressar a mesma substância: uma certa quantidade de trabalho humano abstrato.

No caso do Estado, considerando o que já foi dito, seu caráter é  definido pelo fato de ser sempre o Estado da classe economicamente dominante, ou seja, da classe que expressa em cada momento as relações sociais de produção dominantes e que, na luta de classes, age no sentido de manter estas relações e garantir as condições de sua reprodução. Na sociedade atual, a sociedade capitalista, as relações sociais que constituem o capital são aquelas nas quais os proprietários dos meios de produção compram força de trabalho e extraem mais valia acumulando-a privadamente.

A manutenção e reprodução das relações capitalistas exigem do Estado, através de toda uma ordem institucional governamental, legislativa, repressiva, jurídica e ideológica, sinteticamente três direitos: o direito de propriedade privada dos meios de produção, o direito de comprar e vender livremente a força de trabalho humana como mercadoria e o direito de acumular privadamente a riqueza socialmente produzida.

Portanto, o conteúdo e substância do Estado atual, do Estado que corresponde à sociedade atual capitalista, que existe nos principais países do mundo e que gostam de chamar a si mesmos de civilizados, é  dado pela natureza das relações sociais de produção que cabe a ele garantir. Assim, o “Estado atual” é o Estado Burguês.

Ainda que o caráter do Estado atual seja definido, portanto, por seu caráter de classe, isto não impede que ele assuma formas muito variadas quando consideramos cada país. Na Prússia um Império, na Inglaterra uma Monarquia Parlamentar – que Locke e Montesquieu chamavam de “governo misto” –, nos EUA uma República Federativa, na França num verdadeiro pot-pourri de formas de governo que vão desde a República até a restauração da Monarquia. Não importa a forma, trata-se de Estados Burgueses.

Naquilo que nos interessa, o caráter burguês de um Estado não se altera pelo maior ou menor grau de participação das demais classes na composição das casas representativas ou na composição do próprio governo. Uma vez que se mantenha o caráter privado da propriedade dos meios de produção, a livre compra da força de trabalho e a acumulação privada da riqueza socialmente produzida, o Estado pode assumir a forma que quiser: um Emirado Árabe, uma Monarquia dirigida por uma senhora com chapéus ridículos e filhos horrendos, uma Ditadura Militar ou um Estado Democrático de Direito, desde que entre estes direitos se garanta a propriedade, as relações assalariadas e a acumulação privada.

Isto evidentemente serve também para a pretensão dos chamados “Estados Populares”. A mudança de nome não tem poder de alterar a substância do Estado como acreditavam os nominalistas e parecem acreditar os modernos reformistas. Lênin já citava Marx para afirmar que “não é associando de mil formas diferentes a palavra Estado com a palavra Povo ou Liberdade que se fará avançar o problema um milímetro sequer”. Enquanto não se alteram as relações sociais de produção e com elas o domínio de uma classe social, não se pode alterar o caráter do Estado, ainda que possam se produzir mudanças significativas em sua forma.

A mudança socialista exige, para que se comece a transição, a socialização dos meios de produção e a superação da forma mercadoria da força de trabalho de maneira que a ninguém seja permitido apropriar-se privadamente dos meios necessários à produção coletiva da vida, o que leva à transformação da acumulação privada em acumulação social. Ora, é exatamente aí que reside toda a dramaticidade da questão do Estado que a Revolução Russa coloca em evidência.

Se a transição socialista começa por estas iniciativas descritas, principalmente pela socialização dos meios de produção, seria possível utilizar o Estado burguês para conduzir a transição socialista? Parece-nos que não, pois o Estado burguês existe exatamente para evitar isto, garantir a ordem do capital e, portanto, que a propriedade não seja coletivizada, que a força de trabalho possa se vender livremente e que a riqueza acumulada privadamente seja garantida nas mãos de seus proprietários.

Tanto é verdade que, passadas as euforias democráticas, os Cadetes (como se denominavam os membros do partido burguês russo Constitucional Democrático) apresentaram como suas mais elementares exigências para manter-se no governo de coalizão com as facções moderadas dos sovietes: o imediato reestabelecimento da disciplina nas fábricas e o desarmamento dos operários. Da mesma maneira, na Alemanha, no momento em que o Kaiser cai e os trabalhadores assumem as minas e fábricas através do controle dos conselhos, a burguesia coligada no governo socialdemocrata exige a devolução das fábricas aos seus legítimos donos.

O centro do problema é que a concepção a respeito do Estado leva a dois caminhos distintos do ponto de vista da prática política imediata. Enquanto os mencheviques que aderem ao Governo Provisório, assim como os Socialistas Revolucionários, passam a partilhar as responsabilidades de governo, tais como o andamento da guerra, os acordos internacionais, o racionamento de víveres, a impossibilidade de aprofundar a reforma agrária sem romper as alianças, os bolcheviques e anarquistas aprofundam as lutas de massas pelo cumprimento das demandas proletárias, como a redução da jornada de trabalho, a distribuição da terra, a convocação da Constituinte, o fim da guerra e do racionamento entre outras.

No momento em que as facções cadetes do Governo Provisório exigem a repressão aos bolcheviques e anarquistas, a volta da pena de morte no exército, o restabelecimento da disciplina nas fábricas, o desarmamento dos operários, os “socialistas” no governo comportam-se como homens “responsáveis” e “pragmáticos” e aceitam a repressão sobre aqueles que procuram desestabilizar o lento processo de democratização e de desenvolvimento das forças produtivas que, segundo a lógica reformista, levaria quem sabe um dia à possibilidade de uma revolução ou de graduais transformações socialistas.

Mais uma vez, o que falta a estes senhores é a dialética. Quando Marx e Engels constatam o momento de desenvolvimento das forças produtivas que determina um momento no qual os trabalhadores são obrigados a agir no curso de uma revolução hegemonizada pela burguesia contra a ordem feudal, como classicamente na situação de 1848 a 1850, não afirmam em nenhum momento que os trabalhadores devem conformar-se em ajudar a burguesia a cumprir seus objetivos. 

Apenas ressaltam que, em se tratando de um momento no qual ainda se luta contra os adversários de seus adversários, os trabalhadores devem marchar com a burguesia pela derrubada da fração cuja derrota interessa ao partido operário, mas ao mesmo tempo “marchar contra ela em todos os casos em que a democracia pequeno-burguesa queira consolidar sua posição em proveito próprio” (Marx / Engels, s/d [1850]: 85).

Não se trata de desconsiderar as determinações que implicam no momento “democrático burguês” do processo de transformações sociais, mas de agir neste momento com a perspectiva de levá-lo até que desemboque de forma permanente em uma revolução proletária de caráter socialista. Esta é a base de um conceito chave de Marx que será recuperado de forma enfática posteriormente por Trotsky, que é o da Revolução Permanente.

Para que seja possível agir em um momento em que a burguesia luta pela consolidação plena de sua ordem capitalista contra os elementos feudais em decomposição, sem perder a autonomia e a independência de classe diluindo-se nos limites da ordem burguesa, é fundamental que os trabalhadores mantenham uma organização independente, ao mesmo tempo legal e secreta, um programa próprio que não se detenha nos limites da revolução democrática e conceba os passos e ações necessárias para levar a revolução em permanência até uma revolução socialista que, destruindo o Estado Burguês, gere as condições para a formação de um Estado Proletário.

Lênin e os bolcheviques compreendem perfeitamente este fato, participam das ações de massa contra o czarismo, compõem decididamente os sovietes como espaço de massas capaz de criar uma dualidade de poderes no momento em que a burguesia tenta consolidar seu próprio Estado, mas não se limitam a fortalecer o poder burguês democrático contra a ordem autocrática czarista, ao contrário, seguem as ações na defesa das demandas proletárias forçando a dualidade de poderes e desestabilizando o Governo Provisório.

Os críticos do regime soviético afirmam que esta ação foi irresponsável e, até pelo posterior desfecho burocrático da URSS, afirmam que o mais sensato seria permitir a consolidação de um governo “democrático” na Rússia que, ao desenvolver o capitalismo, gerasse as condições de experiências socialdemocratas para depois transitar para o socialismo. 

No entanto, o desenrolar dos fatos que vão de julho até outubro não confirmam esta ilusão. Se os bolvcheviques não houvessem ousado no caminho da revolução permanente e na meta revolucionária, não teríamos a consolidação de um regime “democrático”, mas um golpe comandado por Kornilov, que levaria ao estabelecimento de uma ditadura da burguesia russa, bem ao estilo do que houve na China depois da queda do Império e do Mandarinato, com a formação, primeiro, da república dos Senhores de Guerra e, depois, com o governo do Kuomintang.

No entanto, o contraponto mais preciso à alternativa soviética pode ser visto nos acontecimentos da Alemanha. Ao mesmo tempo em que os bolcheviques tomavam o poder, destruíam o Estado Burguês e estabeleciam um Estado Proletário em aliança com os camponeses (os SRs de esquerda rompem com o governo e aderem à revolução socialista), na Alemanha os fatos se sucediam de maneira ainda mais didática, mas levariam a um desfecho muito distinto.

Desde 1915 a euforia em favor da guerra havia se diluído na trágica situação de intensificação do trabalho com jornadas de 11 a 12 horas, na redução dos salários, na escassez de alimentos e produtos de primeira necessidade, na proibição e repressão às greves que se alastravam, na mobilização forçada dos trabalhadores grevistas e dirigentes sindicais para as frentes de batalha que já haviam ceifado a vida de mais de seis milhões de soldados. O consenso que havia levado à aprovação dos créditos de guerra, inclusive com o apoio do SPD (os socialdemocratas alemães), diluía-se em questionamento aberto ao governo do Kaiser e à própria liderança socialdemocrata.

Os acontecimentos se precipitam em 1918, em parte pelos resultados negativos nas frentes de batalha. O Imperador tenta formar um governo provisório, com a participação do SPD, que propõe uma anistia aos presos políticos, reforma eleitoral e estabelecimento do voto universal. Mas já era tarde. Soldados e marinheiros se rebelam nas bases militares e no front, operários e camponeses se rebelam e são formados os conselhos que ocupam os centros de produção, as massas atacam as prisões e soltam os presos políticos e, em algumas regiões, é proclamada a República.

No dia 9 de novembro de 1918, quase um ano depois da Revolução Russa, em meio a uma greve geral, o Kaiser é obrigado a abdicar e forma-se um governo provisório com maioria do SPD e de um racha que formaria o Partido Social Democrata Independente (USPD). Apesar das medidas populares anunciadas pelo novo governo, como o fim da censura, anistia, extensão dos votos às mulheres, liberdade de manifestação e de greve, entre outras, o SPD anuncia a opção pela via pacífica da transição ao socialismo e o respeito à hierarquia militar, para buscar apoio da cúpula do exército ao novo governo.

Os socialdemocratas propõem um pacto com os capitalistas que, em troca da garantia da manutenção da propriedade privada e das relações assalariadas de produção, aceitam a eleição de dirigentes sindicais nos locais de trabalho, a redução da jornada para 8 horas de trabalho, convenções coletivas sobre as condições nas empresas, desde que os trabalhadores concordem com retomar a disciplina na produção.

No entanto, os conselhos não se detêm nos limites do pacto, ocupam fábricas e assumem o controle direto de vários ramos da produção, principalmente nas minas. Dissolvem as instituições locais, extinguem a polícia, formam milícias armadas, assumem o controle das finanças públicas, criam câmaras por representação direta com funções legislativas. A dualidade de poderes estava implantada, restava saber qual seria a posição do SPD, maioria no governo oficial e artífice do pacto com a hierarquia do exército e com a burguesia.

Enquanto a Liga Spartacus, criada por Rosa de Luxemburgo e Karl Liebknecht ao romper com o SPD, assim como o USPD (que iria criar o KPD – Partido Comunista), inspirado pelo exemplo russo, propõe que o poder passe diretamente aos Conselhos, o SPD defende a convocação de uma Constituinte que estabelece as regras de um Estado Democrático Republicano. O Congresso dos socialdemocratas, ocorrido em 16 de dezembro de 1918, dá ampla vitória aos moderados (o SPD conquista 288 votos contra 90 do USPD), e os próprios trabalhadores rejeitam a proposta de passar o poder aos conselhos por 400 votos contra 50, aprovam que a forma do Estado deve ser uma república e não um governo de conselhos e definem a convocação da Constituinte para janeiro de 1919.

As massas operárias reagem e pressionam o governo e as bases militares exigem o direito de eleger seus oficiais, armam os trabalhadores e quebram o exército como máquina de repressão do Estado Burguês. O governo “democrático” e a burguesia recorrem às outras potências europeias e formam os chamados “corpos francos”, batalhões formados por militares, treinados na arte de dissolver motins e combater greves e manifestações operárias.

As brigadas operárias reagem. O governo demite o chefe de polícia que, ligado ao USPD, se nega a entregar o cargo. O USPD, agora já KPD, prepara uma insurreição enquanto as lideranças sindicais conclamam pelo fim das hostilidades entre companheiros e pedem um voto de confiança ao governo.

O governo responde ao voto de confiança dando carta branca aos “corpos francos”, que atacam os conselhos e brigadas operárias para desarmá-los. Rosa e Liebknecht são assassinados e seus corpos jogados no rio. Os mineiros ocupam as minas e exigem a expropriação e o controle operário. Os corpos francos atacam e retomam as minas e reprimem todas as greves que ameaçavam se alastrar em uma greve geral. Finalmente, em 1919, com o movimento operário e os conselhos destruídos, a Constituinte proclama as liberdades individuais e os direitos sindicais.

A destruição da alternativa revolucionária não leva à consolidação do gradualismo socialdemocrata, à ampliação de direitos democráticos e à paulatina melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores. O resultado direto da destruição dos conselhos e a quebra do poder operário, além de isolar o governo soviético na Rússia com grandes e drásticas implicações para o futuro da transição socialista, abre terreno para a ascensão do nazismo. Em 1928, os nazistas fazem 800 mil votos, em 1930 chegam a 6,4 milhões de votos, dos quais 3 milhões vêm das camadas proletárias, 40% deles diretamente dos operários.

Na Rússia os trabalhadores estabelecem um governo formado pelos sovietes e baseado na aliança entre bolcheviques, SRs de esquerda e, ainda neste momento, pelos anarquistas. Na mesma noite da tomada do poder, as fábricas são passadas ao controle dos operários e todas as terras entregues aos comitês agrários para distribuição. É aprovada a retirada unilateral da Rússia da guerra e a formação de um governo baseado na forma de representação do Sovietes. O Estado Soviético resiste à invasão de dez potências que levarão à guerra civil (1818-1921) e espalha a revolução até o extremo Oriente, formando, em 1919, a URSS.

O que estes acontecimentos acabam por demonstrar e que a continuidade da experiência socialdemocrata nos países da Europa Ocidental nas décadas que sucedem à II Guerra Mundial confirma é uma clara verdade sobre o Estado. Nas palavras de Adam Przeworski (1989: 60), estudioso da socialdemocracia, esta verdade pode ser assim descrita:

Qualquer governo em uma sociedade capitalista é dependente do capital. A natureza das forças políticas que sobem ao poder não afeta esta dependência, pois ela é estrutural – uma característica do sistema, e não dos ocupantes de cargos governamentais, dos vencedores das eleições. Estar “no poder”, na verdade, confere pouco poder.

Um Estado Burguês cumpre a função de um Estado Burguês independente de quem o dirige, da mesma forma que um tanque de guerra não se transforma em um trator se for dirigido por um camponês. A função estrutural de um Estado é garantir a manutenção e reprodução das relações sociais de produção que fazem, em cada época, de uma classe a classe dominante.

Apesar das evidências dos fatos, contemporaneamente, a tese de que a natureza do Estado mudou voltou com muita força, principalmente depois do desfecho da transição socialista com o desmonte da URSS e a reconversão capitalista na China. A tese marxiana afirmava que a chegada ao poder, o estabelecimento de um Estado Proletário e a socialização dos meios de produção abririam uma transição histórica que deveria levar ao desaparecimento das classes e, portanto, à formação de uma sociedade sem Estado.

O que foi visto, entretanto, foi o fortalecimento do Estado e a formação de uma burocracia que se autonomiza da classe trabalhadora e passa a desenvolver interesses próprios. Os eternos críticos do marxismo retomam suas energias para afirmar que agora, finalmente, Marx estaria superado definitivamente.

No entanto, uma análise mais atenta demonstra um quadro um pouco distinto. A transição socialista é afirmada como um processo histórico no qual ocorreria a transformação da velha sociedade capitalista e a gestação das condições que poderiam levar ao fim das classes. O início desta transição se dá pela quebra das condições que permitem a existência das relações capitalistas de produção, ou seja, se socializam os meios de produção acabando com a propriedade privada, proíbe-se a compra e venda da força de trabalho em caráter privado, da mesma forma que se proíbe a acumulação privada da riqueza socialmente produzida.

Estas medidas podem ser tomadas como atos jurídicos e políticos por uma revolução vitoriosa que quebrou o Estado Burguês e impedem o funcionamento e reprodução das antigas relações de produção, mas não são suficientes para levar ao fim das classes sociais ou, mais precisamente, das determinações que um dia dividiram a sociedade humana em classes antagônicas. O que desaparece é a burguesia, mas não as raízes das classes sociais.

A concepção anarquista, que com razão argumentaria que a manutenção do Estado pode levar à manutenção do domínio hierárquico sobre a classe trabalhadora e a formação de novos interesses dominantes, como de fato ocorreu, acreditava que a socialização dos meios de produção e a destruição do Estado Burguês gerava, por si só, as condições para que os produtores diretos da riqueza se associassem livremente em uma sociedade autogestionária ou libertária, portanto, sem Estado.

Ocorre, entretanto, que esta transformação, com a qual anarquistas e comunistas concordam no que diz respeito ao ponto final de chegada (uma sociedade sem Estado), exige certas condições materiais sem as quais as classes não desaparecem de fato, condições estas que não podem ser produzidas simplesmente por atos de vontade política. Marx, em uma das raras oportunidades em que comenta o assunto da transição, afirma que:

Na fase superior da sociedade comunista, quando houver desaparecido a subordinação escravizadora dos indivíduos à divisão do trabalho e, com ela, o contraste entre trabalho intelectual e trabalho manual; quando o trabalho não for somente um meio de vida, mas a primeira necessidade vital; quando, com o desenvolvimento dos indivíduos em todos seus aspectos, crescerem também as forças produtivas e jorrarem em caudais os mananciais da riqueza coletiva, só então será possível ultrapassar-se totalmente o estreito horizonte do direito burguês e a sociedade poderá inscrever em sua bandeira: de cada um segundo sua capacidade, a cada um segundo suas necessidades. (Marx, s/d [1875]: 215)

Notem que Marx fala de cinco superações que deveriam ocorrem para que se completasse a transição: superar a escravizante subordinação a uma divisão do trabalho, superar o antagonismo entre o trabalho manual e intelectual, superar o trabalho como mero meio de vida, superar o indivíduo em todos os aspectos, superar a carência pela abundância.

Enquanto os seres humanos forem obrigados a ocupar um posto no interior de uma divisão do trabalho, marcado por uma disparidade muito grande entre os tipos de trabalho, pelo nível de desgaste, pela periculosidade e insalubridade, pelo grau de potencialidade de realização humana ou de desumanização, não é possível uma escolha de fato livre. 

Na ordem do capital os postos mais degradantes e alienados são ocupados pela lógica da necessidade e da miséria. A única maneira de superar isso é homogeneizando o trabalho para que possa, ainda que desenvolvendo funções concretas distintas, se dar com um desgaste proporcional e sem que envolva danos à saúde. Ora, isto só é possível pelo desenvolvimento da técnica e pela superação de fato de algumas funções que ninguém deve fazer por seu caráter desgastante e danoso ao ser humano ou alienante (como extrair minérios em grandes profundidades, por exemplo).

As condições técnicas da produção não podem ser alteradas por nenhum decreto político ou artifício jurídico, pois envolvem um desenvolvimento objetivo que supõe patamares materiais. Da mesma forma, não se supera de fato esta subordinação à divisão do trabalho sem superar o maior de todos os antagonismos que se apresenta nesta divisão e que está na base mesmo da divisão inicial da sociedade em classes: a separação entre trabalho intelectual e manual. Enquanto houver aqueles que planejam e controlam técnica e teoricamente as ações que outros devem realizar, não se superou de fato as divisões, a base de existência das classes.

Se o desenvolvimento tecnológico pode homogeneizar o trabalho, a superação do antagonismo entre trabalho intelectual e manual só pode se dar pela universalização do acesso à educação e ao conhecimento. Mas não só. A própria organização do trabalho, a gestão da produção e o planejamento têm que se dar de forma diferente, reunificando as duas dimensões do trabalho humano. E esta reunificação se dá no trabalho concreto. Não se trata de uma sociedade de intelectuais, mas de trabalhadores que recuperam a dimensão teórica do trabalho que realizam.

A superação dos antagonismos presentes na subordinação dos seres humanos à divisão do trabalho, no entanto, tem sua base em uma determinação mais profunda: o trabalho na sociedade de classes foi reduzido a um meio de vida. O trabalho se estranhou de sua mediação de primeira ordem e transformou-se em mero meio. Trabalha-se para viver. Trabalha-se oito horas para depois viver nas migalhas que sobram ao final do dia. Trabalha-se cinco dias para tentar viver no fim de semana. Trabalha-se uma vida inteira para viver somente depois da aposentadoria.

Isto ocorre porque o trabalho se alienou, se estranhou. A suposição fundamental é que é possível desalienar o ato do trabalho de forma que em uma sociedade futura ao se perguntar – por que você trabalha? – a pessoa não responda: para viver? Responda: dou aulas de história, pois as crianças nascem em uma sociedade dada e precisam saber o que houve antes para entender onde estão. Trabalho fazendo ônibus, pois as distâncias são grandes e as pessoas precisam se deslocar. O trabalho como ato fundamental da existência, como ato coletivo de produção das condições que permitem a vida e no qual cada um se realiza como humano e se torna humano através dele.

Ora, esta transformação do trabalho não é um ato de vontade política, exige não apenas as superações anteriores como uma transformação no próprio ser humano e sua postura diante da vida, inclusive a superação da redução do ser social como precária cápsula individual. Não basta uma divisão do trabalho não hierárquica na qual não há antagonismo entre as dimensões intelectuais e materiais do trabalho, é necessário que o ser humano possa se apresentar de forma muito distinta deste ser mesquinho e egoísta que o ser social do capitalismo impôs ao gênero humano. Um ser social capaz de dar o que for preciso e retirar da produção social só o que for necessário.

Esta não é  apenas uma profunda transformação cultural e de consciência, mas ao mesmo tempo uma transformação material: a superação da forma mercadoria, a recuperação da supremacia do valor de uso sobre o valor de troca.

A dialética da transição socialista é que as mudanças materiais vão produzindo um novo ser humano e uma forma de existência que passa a ser condição fundamental para completar as mudanças materiais. A completude desta transformação só pode se dar quando este novo ser humano emancipado possa dar de acordo com sua capacidade e tirar da produção social tudo aquilo que for necessário à sua existência (só assim o trabalho deixa de fato de ser um mero meio de vida). Mas ocorre que, mais que qualquer outro fator, este não pode ser produzido por mecanismos jurídicos, atos políticos ou atos de força. Para que se supere o valor de troca e a forma mercadoria, para que os produtos do trabalho e o próprio trabalho assumam a forma de valores de uso, é necessária a superação da escassez, é necessária a abundância.

Não no sentido no consumismo doentio da lógica capitalista mercantil, mas da satisfação das necessidades humanas. Enquanto cada um não puder tirar da produção social tudo o quanto for necessário ainda sobreviverão critérios de equivalência entre a quantidade de trabalho oferecido e a quantidade de bens a serem consumidos, portanto, a lei do valor e a forma mercadoria não estarão superadas. Alguém terá que distribuir o trabalho, fiscalizar as quantidades oferecidas, definir critérios, zelar por sua aplicação, punir os desvios em relação às regras e normas estabelecidas: o Estado ainda não desapareceu.

Ao analisarmos as revoluções do século XX, vemos que as experiências de transição socialistas iniciaram as transformações citadas. Destruíram o Estado Burguês, implantaram um Estado Proletário, socializaram os meios de produção, superaram a apropriação privada da força de trabalho transformando-a em um recurso social que só pode ser utilizada coletivamente e organizaram a apropriação social da produção social impedindo o reinvestimento dos recursos sociais pelas regras do mercado e da propriedade privada. No entanto, o andamento das cinco superações, ainda que em alguns casos tenha avançado bastante, exigiam um grau de desenvolvimento das forças produtivas que não se apresentavam nas formações sociais nas quais a ruptura revolucionária se deu.

Neste ponto a dialética tem que pagar um tributo ao materialismo. A Revolução Russa, assim como as revoluções na China, em Cuba e outras, demonstram que a ação política dos revolucionários e da classe trabalhadora pode ir além das meras condições objetivas dadas em cada momento e adiantar-se na ousadia de criar as condições de uma superação do Estado Burguês iniciando a transição socialista. Mas se os seres humanos é que fazem sua própria história, não a fazem como querem, mas nos limites das circunstâncias históricas que encontram objetivamente na época histórica em que atuam. O fato destas formações sociais não encontrarem o pleno desenvolvimento das forças produtivas materiais que seriam as bases para as superações necessárias à transição socialista (lembrando que Marx afirmava que este desenvolvimento só se completaria em âmbito mundial), acabou por determinar os limites da ousadia revolucionária.

Como os fatores políticos e subjetivos foram além das condições objetivas dadas, duas evoluções são possíveis. O novo patamar político pode puxar o atraso material até que ele se aproxime das condições necessárias, ou o atraso material e objetivo pode fazer com que os avanços políticos regridam até expressões adequadas às condições objetivas dadas. Pode ainda haver uma combinação dos dois movimentos, de forma que os avanços políticos desenvolvam as forças produtivas que, simultaneamente, inflexionam as formas políticas impedindo que possam ir além daquela que as condições materiais permitem. No caso das revoluções do século XX, esta última hipótese parece ter sido aquela que se realizou por um tempo.

A burocratização dos Estados Proletários é o resultado político desta síntese. Desta maneira, ao contrário de desmentir os prognósticos de Marx, as revoluções socialistas do século XX confirmam tragicamente as tendências apontadas pelo pensador alemão ainda no século XIX.

O século XXI começa sem novidades, apesar dos arautos das novidades absolutas. As forças políticas que disputaram o século XX foram: o liberalismo, o socialismo, a socialdemocracia e o totalitarismo. Todas as vezes que, com o fracasso das precisões liberais feitas em pó pela dinâmica da crise cíclica do capital, os socialistas não reúnem as condições de se apresentar como alternativa histórica, ao mesmo tempo em que a socialdemocracia, na tentativa de encontrar uma terceira via, se atola no pântano da conciliação de classe e deixa de ser um caminho alternativo para se chegar ao socialismo, convertendo-se em uma maneira eficiente de evitá-lo, a burguesia se refugia no totalitarismo aberto das ditaduras do capital, como o nazifascismo e o ciclo de ditaduras na América Latina nas décadas de 60 e 70 do século XX.

O quadro político da América Latina e do mundo hoje é a atualização deste dilema. O fim do ciclo ditatorial e as aberturas democráticas e a crise na transição socialista atualizou a volta dos preceitos liberais clássicos disfarçados pelo eufemismo de neoliberalismo. O curto ciclo neoliberal e seu fracasso em converter-se em alternativa de longo prazo para o domínio burguês reatualizam delírios socialdemocratas descaracterizados e que já se implantam na fase senil da socialdemocracia, ou seja, desfigurada e limpa de qualquer resíduo de sua origem socialista, levando ao paradoxo aparente de ser a forma política possível de implantar de fato as medidas neoliberais que governos mais conservadores não foram capazes, como mostram claramente os casos do Brasil e do Chile.

Diante deste impasse, ressurgem opções mais radicais de experiências populares que apontam para o horizonte de transformações socialistas que se iniciam por vitórias eleitorais, como no caso da Venezuela, Bolívia e Equador, ao lado da persistente presença de Cuba como remanescente do último ciclo.

O quadro atual sugere a recuperação do debate sobre o Estado que descrevemos até aqui e que marcou os acontecimentos do início do século XX. Estaríamos diante de um novo contexto histórico em que finalmente a visão marxista sobre o Estado tem que ser superada? As determinantes históricas do presente colocam questões novas para as quais nosso acúmulo teórico nada tem a dizer?

Holloway (2003: 26), ao analisar o desfecho das experiências revolucionárias do século XX, argumenta que “talvez necessitemos rever a ideia de que a sociedade pode ser mudada por meio da conquista do poder de Estado”. Como a forma de organização partidária está diretamente ligada à estratégia de chegar ao poder para mudar a sociedade, a crítica de Holloway se estende à teoria do Partido e abre o debate sobre os possíveis novos instrumentos políticos para “mudar o mundo sem tomar o poder”, assim como as características do “socialismo no século XXI”.

O autor irlandês busca fundamentar suas afirmações na constatação, em si mesma correta, de que a ideia de tomar as posições de poder para abolir o poder esbarra no fato de que a verdadeira transformação revolucionária deve localizar-se na alteração das relações que garantem a existência do poder de forma a “dissolvê-las” e não nas simples ocupações destas posições de poder, sejam governamentais ou aquelas dispersas na sociedade (Holloway, idem: 37). Conclui, portanto que “a única maneira de se imaginar agora a revolução é como a dissolução do poder, não como sua conquista”, sendo este o desafio do século XXI: mudar o mundo sem tomar o poder.

O próprio fundamento da teoria da transição em Marx é o da necessidade de se alterar profundamente as determinações das relações de poder que implicam no domínio de uma classe sobre outra e no limite da subordinação dos seres humanos aos limites da lógica da mercadoria e do Estado. Desta forma, é evidente que não basta “tomar o poder” sem que se alterem de fato estas relações. No entanto, a questão continua sendo como seria possível iniciar esta transição para que possamos alterar estas relações de poder e as determinações que se encontram em suas raízes.

Colocando-se aparentemente além e mais à esquerda daqueles que lutam pela tomada do poder3, na verdade o autor reapresenta um velho argumento: o objetivo final não é nada, o processo é tudo. Interessantemente, o mesmo velho e surrado argumento de Bernstein e Kautsky, ícones da socialdemocracia e do reformismo. É evidente que, nos dias atuais, aparece sutilmente embelezado com uma retórica de anticapitalismo (na época também o era) e da genialidade de evitar a ortodoxia. Pensando a organização não em termos do ser, mas do “fazer”, a política da negação do poder no aqui e agora transforma-se, nas próprias palavras do autor, em uma “antipolítica de eventos”.

A sedução de tal aproximação é evidente. Não é necessária uma ruptura. Recupera-se o conceito foucaultiano de que o poder se apresenta como rede que se espalha e se insinua em toda a sociedade e não apenas em um centro como no Estado e, portanto, sua negação é molecular e não geral. Mas, apesar da sedução, uma questão se apresenta de forma inevitável: se as atuais relações de poder, que implicam na barreira real que impede a emancipação humana, precisam ser superadas, como fazê-lo, seja através de uma “antipolítica de eventos”, uma vez que se descarta a luta contra a ordem do capital pela tomada do poder de Estado?

A vaga referência a um processo de negação e afirmação cotidiano, que não se contentam em derrotar o governo, mas quer “transformar a experiência da vida social”, não parece resolver o problema. Até porque, como o próprio Holloway afirma, “a ação simplesmente negativa se choca inevitavelmente com o capital em seus próprios termos, e nos termos do capital sempre perdemos, inclusive quando ganhamos” (idem:312). A dimensão afirmativa desta negação cotidiana das relações de poder deveria, portanto:

Deslocar-se para uma dimensão diferente da do capital, não comprometer-se com o capital em seus próprios termos, mas avançar para modos em que o capital não possa sequer existir (idem, ibidem).

Muito bem, concordamos plenamente. Mas, como deslocar-se para onde o “capital não possa sequer existir”? Existe algum ponto dentro da ordem do capital onde ele não se apresente? O poder não era reticular e se insinuava em todos os poros da sociedade? O problema de certo tipo de anticapitalismo é não ter a menor ideia do que é o capitalismo. O capital é uma relação social na qual o proprietário do meio de produção, ao comprar força de trabalho, extrai mais valia e acumula privadamente a riqueza socialmente produzida. Certo, mas existem poros sociais, relações comunitárias, tradicionais formas de vida, como entre as nações indígenas, as cooperativas, a agricultura familiar, que escapam às determinações do capital. Não, não escapam. O capital acaba por subordinar as formas não capitalistas, assim como subordina os países periféricos ao domínio do centro imperialista.

Deslocar-se para um lugar no qual as relações capitalistas não se imponham pressupõe a capacidade de determinar um lugar no qual se supere a propriedade privada dos meios de produção, a livre compra e venda privada da força de trabalho e a acumulação privada da riqueza socialmente produzida. Agora, isto não se consegue a não ser derrotando a burguesia e seu Estado. O capital não é uma abstração, ele se personifica em uma classe que, em sua defesa, move seus instrumentos de poder, centrais e reticulares. Quando tentamos afirmar nossa emancipação, este Estado age para nos destruir. A breve autonomia que busca construir um espaço de dignidade para parte dos povos indígenas no México, como no caso dos Zapatistas que tanto encanta Holloway, só pode existir, primeiro, porque foi estabelecido um equilíbrio militar contra o poder do Estado burguês no México.

Mas não seria possível que a generalização destas lutas particulares, dos “novos sujeitos sociais”, das mulheres, dos indígenas, das minorias étnicas, dos emigrantes empobrecidos no centro e na periferia do capital levasse à negação geral da ordem do capital e à possibilidade da emancipação humana? Não. O capital aprendeu a conviver com estas negações particulares, porque, como já afirmou Lukács (1974), quando a negação, pelo menos, não tende para a totalidade, não consegue ir além daquilo que nega.

A antipolítica dos eventos se converte exatamente nisto: um evento. A ordem do capital pode conviver com negações particulares, mas não pode aceitar uma alternativa global de sociabilidade que não se fundamente na propriedade privada e na acumulação privada da riqueza socialmente produzida. Sem que se quebre o Estado burguês não podemos, de fato, transformar as relações de poder, a não ser como quistos facilmente isolados e controláveis.

O próprio Holloway, em um momento de sincera ingenuidade, se pergunta - “Então, como podemos mudar o mundo?” – e responde: “não sabemos. Os leninistas sabem, costumavam saber. Nós não”. (idem: 315)

É, os leninistas sabem. Marx sabia. Os revolucionários costumavam saber. Temos que superar as relações que constituem o capital e que impedem a emancipação humana. A burguesia monopolista internacional não quer. Temos que derrotá-la. Seu principal instrumento é o Estado, com toda a complexidade dos elementos políticos, governamentais e repressivos centralizados, e com toda a eficiência de suas expressões na carne viva das relações sociais cotidianas que mantêm e reproduzem as condições desta dominação. A afirmação de que, neste caminho, não é necessário destruir este centro de poder desarma os trabalhadores e os ilude com a possibilidade de transformar a ordem capitalista a golpes de eventos particulares.

Isto não significa, muito pelo contrário, que a mera tomada do poder é  suficiente para mudar o mundo, sem que mudemos de fato e radicalmente as relações humanas que estão na base do sociometabolismo do capital. Antes se acreditava que bastava tomar o Estado e agora parece se afirmar que é não necessário tomá-lo. Ambos se equivocam. A tomada do poder, mais precisamente a destruição do Estado Burguês e o estabelecimento de um Estado Proletário, é condição fundamental para iniciar a transição socialista, mas insuficiente para levá-la até a formação de uma sociedade sem classes e sem Estado.

As atuais experiências na América Latina, no entanto, não têm indicado outro caminho, muito distinto daquele que a ortodoxia sempre afirmou, ou seja, da organização de partidos proletários, a disputa pelo poder de Estado, o que implica eleições, etc.? Acreditamos serenamente que não.

Primeiro que aqueles que, inclusive alicerçados sobre discursos muito heterodoxos fundados em práticas cotidianas e de crítica às formas políticas e organizativas que culpavam pela burocratização, chegaram ao governo para aplicar políticas aquém dos limites mesmos da socialdemocracia. De fato convertem-se em aplicadores responsáveis de políticas de desenvolvimento da economia capitalista e contentam-se com políticas distributivistas menores, como no caso exemplar do PT no Brasil. Querendo se diferenciar da acomodação socialdemocrata e da burocracia do chamado socialismo real, acabaram por ficar aquém da ampliação de direitos socialdemocratas, sem que deixassem de se burocratizar espetacularmente.

Por outro lado, certas experiências recentes, pela via eleitoral, iniciaram experiências populares de governo que, tensionando os limites da ordem estabelecida, apontam para a organização dos trabalhadores e a luta contra as camadas dominantes, recolocando o horizonte de transformações socialistas, como no caso da Venezuela, Bolívia e, em menor medida, o Equador.

Estas experiências e o zapatismo não são suficientes para redimensionar os pressupostos políticos da esquerda? Vejamos com mais cautela. Primeiro, que existe uma clara diferenciação entre a acomodação descarada de um setor da esquerda à ordem do capital, como no Brasil e no Chile de Bachelet, a resistência armada zapatista e os governos populares na América Latina. Enquanto os primeiros abandonam de fato a perspectiva de uma mudança revolucionária, transformando o crescimento da economia capitalista em pré-condição para políticas sociais e distributivas rebaixadas,  contribuindo, na prática, para desmobilizar e derrotar as forças populares, os demais mantêm a resistência e a luta contra os setores dominantes, no mínimo em uma perspectiva anticapitalista.

Caso analisemos o que está em andamento hoje veremos que aqueles que conseguiram generalizar as lutas e direcioná-las contra um inimigo comum lograram produzir a unificação necessária das lutas sociais para equilibrar a correlação de forças e impor derrotas aos setores dominantes. Mesmo em uma contraditória e complexa situação de governo, no interior de uma institucionalidade e de relações de produção que não superam inicialmente a ordem do capital, estas experiências mobilizam e organizam os setores populares numa clara luta contra os setores conservadores.

De um lado, alguns saúdam estas experiências como já o socialismo do século XXI, de outro, os mais ortodoxos as negam pela simples e mecânica comparação com tipos ideais weberianos da revolução socialista, ou seja, se não socializaram os meios de produção e não estabeleceram um Estado Proletário não é socialismo, não é uma revolução.

Acreditamos que o que está em curso na América Latina é um processo em aberto. Caso estas experiências, ao mobilizar as massas e buscar realizar um governo popular, avancem no sentido anticapitalista mais profundo, se chocarão com a ordem do capital e podem desembocar em processos socialistas. Acreditamos que, em alguns casos, esta não é uma possibilidade tão remota. Mas, como todo processo em aberto, pode ocorrer que vença a política do pragmatismo e da acomodação e, então, estes processos se revertam em mera acomodação, ainda que mantenham seus Estados adjetivados por qualquer tipo de apelido popular ou socialista.

Ao mesmo tempo, nem aqueles que se mantiveram nos limites da responsabilidade democrática institucional burguesa, nem aqueles que confiaram nos chamados novos sujeitos e na busca de mudar o mundo sem tomar o poder conseguiram aprofundar a dinâmica da luta de classes para colocar a ordem capitalista em risco.

Há, entretanto, uma terceira situação em nossa América. Um povo derrotou seu tirano, destruiu o Estado Burguês, socializou seus poucos e precários meios de produção, não se contentou com a tese do socialismo como mero produtivismo sem que se dessem passos concretos de criação de novas relações que pudessem levar à formação de um novo tipo de ser humano e as mudanças de consciência subsequentes, e que resiste contra todas as expectativas de que não resistiria ao desmonte do bloco soviético: Cuba. Com todos os enormes problemas, mesmo sintomas da degeneração burocrática próprios da experiência socialista do século XX, os cubanos não podem ser descartados da avaliação política como uma mera exceção. Experiências alternativas altamente festejadas em sua época foram varridas pelas mesmas forças que tentam há décadas, sem sucesso, interromper o processo cubano.

Independente do desfecho do caso cubano, e os prognósticos não são muito bons, Cuba é um excelente caso para julgar os caminhos possíveis da emancipação e a validade de certos pressupostos que muitos se apressam em descartar. No centro da polêmica está a questão do Estado. Ao lado da experiência cubana se inscreve a alternativa do governo da Unidade Popular no Chile, que corresponde, em nosso continente, à atualização do dilema do Estado aberto pelas Revoluções Russa e Alemã no início do século e que descrevemos brevemente.

A experiência revolucionária do Chile, com toda sua dramaticidade e beleza, e a persistência da revolução cubana nos alertam sobre os impasses que se anunciam no cenário político do início do século XXI.

Devemos, então, descartar a possibilidade de iniciar transformações socialistas pela via eleitoral? Mais uma vez, as coisas não são tão simples.

Quando Che debatia o caráter excepcional ou não da revolução cubana, defendendo como sabemos que os caminhos estratégicos de Cuba poderiam orientar a luta revolucionária na América Latina, ressaltava que estava em desenvolvimento em nosso continente, principalmente em países que haviam experimentado um certo crescimento industrial e urbano, uma certa tendência a optar por uma ação política voltada à ocupação de espaços institucionais. Assim Che (1981:50) descreve esta opção:

Esta concepção gera uma visão de “institucionalidade” quando, em períodos mais ou menos “normais”, as condições são menos duras do que as que se dão habitualmente aos povos. Chega-se inclusive a conceber a possibilidade de aumentos quantitativos de representantes revolucionários no parlamento, até o dia em que esse crescimento quantitativo permita uma mudança qualitativa.”

Ainda que trabalhe este fenômeno como exceção à regra, afirmando que não acredita “que essa via possa se realizar em qualquer país da América Latina”, Che não descarta a possibilidade de o processo de mudanças possa começar por uma via eleitoral. Destacando que os revolucionários não podem prever todas as variações táticas que podem se apresentar em um processo de luta pela emancipação, Che desenvolve o seguinte raciocínio:

A qualidade de um revolucionário se mede pela capacidade em encontrar táticas adequadas a cada mudança de situação, em ter sempre em mente as diferentes táticas possíveis e em explorá-las ao máximo. Seria um erro imperdoável descartar por princípio a participação em algum processo eleitoral. Em determinado momento ele pode significar um avanço do programa revolucionário. Mas seria imperdoável também limitar-se a esta tática sem utilizar outros meios de luta, inclusive a luta armada como instrumento indispensável para aplicar e desenvolver o programa revolucionário. (Guevara, idem, ibidem)

Como vemos, a questão não é a possibilidade ou não de que em um momento concreto da luta pela transformação social devemos ou não participar das eleições. Uma estratégia revolucionária, por melhor que seja, não tem a capacidade de definir as “possibilidades” que se abrem no desdobrar das conjunturas nas quais as lutas se dão. 

A via revolucionária corresponde à forma, não ao conteúdo de um processo revolucionário. O problema reside no conteúdo. Uma coisa é uma força revolucionária ocupar espaços institucionais via processos eleitorais como formas de luta no caminho da execução de uma ruptura com a ordem capitalista para estabelecer uma transição socialista, outra coisa é ocupar estes espaços ao invés de realizar a ruptura acreditando que é possível iniciar a transição sem superar o Estado Burguês.

Mais uma vez, isso não tem nada a ver com ortodoxias ou preciosismos conceituais, mas envolve uma questão eminentemente prática. É o próprio Che que de maneira extremamente lúcida descreve este dilema prático:

Quando se fala em alcançar o poder pela via eleitoral, nossa pergunta é sempre a mesma: se um movimento popular ocupa o governo de um país sustentado por ampla votação popular e resolve em consequência iniciar as grandes transformações sociais que constituem o programa pelo qual se elegeu, não entrará imediatamente em choque com os interesses das classes reacionárias desse país? 

O exército não tem sido sempre o instrumento de opressão a serviço destas classes? Não será então lógico imaginar que o exército tome partido por sua classe e entrará em conflito com o governo eleito? Em conseqüência, o governo pode ser derrubado por maio de um golpe de estado e aí recomeça de novo a velha história; ou, outra solução, é que o exército opressor seja derrubado pela ação popular armada em defesa de seu governo. (Idem, ibidem).

Estas palavras, escritas nos primeiros anos da década de 60, descrevem em detalhes os trágicos acontecimentos do Chile em 1973, mas igualmente atravessam as fronteiras do século para iluminar nossa reflexão sobre os dilemas que descrevíamos. O problema não é chegar ao governo através de eleições, o problema não é abdicar de tomar o poder, a questão central é encontrar o caminho através do qual a força do capital tenha que se enfrentar com a força unidade e organizada dos trabalhadores em condições que possamos destruir ou neutralizar seus principais instrumentos de poder para iniciar a transição socialista sem que a classe derrotada possa reverter este processo.

Uma ruptura revolucionária pode começar nos limites de uma institucionalidade burguesa, mas jamais se completa se não além dela, seja pela destruição do Estado pela rebelião armada dos trabalhadores, como em Cuba e na Rússia, seja por uma alteração na correlação de forças que permita aos trabalhadores modificar estruturalmente a forma e o conteúdo do Estado, como parece estar em andamento na Venezuela4.

Portanto, o século XXI começa reapresentando um velho dilema que traz o Estado em seu centro: é possível iniciar a transição socialista sem a destruição do Estado Burguês e o estabelecimento de um Estado Proletário? A atualidade da Revolução Russa é a atualidade da resposta a este dilema. Parece-nos que a resposta ainda é: não, não é possível iniciar a transição socialista sem uma ruptura política.

Os dilemas das revoluções do século XX, por suas realizações e fracassos, e o atual quadro da luta de classes na América Latina nos autorizam a dizer que o principal autor para pensarmos os desafios do socialismo do século XXI, ainda é um autor do século XIX: Marx.

Indicações bibliográficas

Engels, F. Origem da família, da propriedade privada e do Estado. In _ Obras Escolhidas, volume III. São Paulo: Alfa-Ômega, s/d.

Foucault, M. – Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1984.

Guevara. E. – Che Guevara: Coleção grandes cientistas sociais. São Paulo: Ática, 1981.

Holloway. J. - Mudar o mundo sem tomas o poder. São Paulo: Viramundo, 2003.

Lênin, V. I. – O Estado e a Revolução. São Paulo: Expressão Popular, 2007.

Lukács, G. – História e consciência de classe. Porto: Escorpião, 1974.

Marx, K. – A Revolução antes da Revolução. São Paulo: Expressão Popular, 2008.

_______ - Contribuição à crítica da economia política. São Paulo: Martins Fontes, 1977.

_______ - Crítica ao Programa de Gotha (1875). In_ Obras Escolhidas, volume II. São Paulo: Alfa-Ômega, s/d.

Marx, K. / Engels, F. – Mensagem do Comitê Central à Liga dos Comunistas (1850). In_ Obras Escolhidas, volume I. São Paulo: Alfa-Ômega, s/d.

Przeworski, A. – Capitalismo e social-democracia. São Paulo: Cia das Letras, 1989.

1 Texto elaborado para as comemorações dos 90 anos da Revolução Russa apresentado em Assunción, Paraguay, 2007.

2 Mauro Luis Iasi é Doutor em Sociologia pela USP, Professor Adjunto da ESS da UFRJ, educador popular do NEP 13 de Maio e membro do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro (PCB)

3 “O problema do conceito tradicional da revolução talvez seja não o fato de ter aspirado muito, mas de o ter aspirado pouco” (Holloway, 2003:36-37).

4 O caso Venezuelano é sintomático, pois começa por cisões no aparato militar e segue com alterações na forma do poder de Estado por meio de mudanças constitucionais que implementam a lógica da dualidade de poder pela organização de um poder popular. O controle da principal fonte de riqueza pelo Estado, o petróleo, e o caráter geral da economia venezuelana, relativizam a socialização dos meios de produção. No entanto, mais cedo ou mais tarde, a base real das relações capitalistas de produção terão que ser  enfrentadas com risco de reversão do caminho que se espera socialista.


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