terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Euforia na Argentina: prisão perpétua para genocidas da ESMA

                                                                                 


 Stella Calloni (*)   

Ao fim de cinco anos de processo, foram condenados a penas de prisão perpétua os principais responsáveis pelos crimes cometidos durante o período da ditadura militar na Argentina. As decisões do tribunal excederam as expectativas dos sobreviventes e familiares, até porque o ambiente do poder na Argentina de Macri será hoje mais favorável aos genocidas do que às vítimas, e não faltaram pressões para ilustrar esse facto.

Num dia histórico para os direitos humanos, foram condenados a prisão perpétua os principais responsáveis de crimes de lesa humanidade perpetrados no centro clandestino de detenção e extermínio da Escola de Mecânica da Armada (ESMA) durante a passada ditadura militar na Argentina. 

Jorge El Tigre Acosta e Alfredo Astiz, o Ángel de la Muerte, estão entre os 54 militares sentenciados, o que suscitou a alegria de familiares e representantes de organismos humanitários; houve abraços, lágrimas e um agradecimento aos sobreviventes que, apesar do que significava recordar uma e outra vez o horror vivido, prestaram testemunho de cada vez que foram convocados.

Os genocidas foram julgados por 789 casos investigados num megaprocesso, uma vez que a ESMA foi um dos lugares de onde desapareceram umas 5 mil pessoas e aí nasceram filhos de detidos-desaparecidos que foram de acordo com um plano sistemático roubados pelos militares, vários dos quais foram recuperados graças ao trabalho incansável das Avós da Plaza de Mayo.

Durante quase quatro horas, o Tribunal Federal cinco leu por ordem alfabética as condenações. Acosta, que foi chefe do grupo de tarefa e um dos mais temíveis repressores, Alfredo Astiz, Ricardo Cavallo e Juan Antonio Azic são alguns dos 29 condenados a prisão perpétua.

Teve também impacto a condenação do médico militar Jorge Luis Magnasco, conhecido como El partero da maternidade clandestina da ESMA, sentenciado a 24 anos. Dois dos pilotos dos voos da morte cumprirão também a pena máxima.

Um deles, Julio Poch, foi absolvido. Outro dos que foram beneficiados foi Juan Alemann, ex. secretário da Fazenda de José Alfredo Martínez de Hoz, e ainda Ricardo Jorge Lynch Jones, Roque Ángel Martello, Ernesto Alemann e Rubén Ricardo Ormello, o que suscitou fortes polémicas.

Além de Acosta e Astiz foram condenados a prisão perpétua: Randolfo Agusti Scacchi, Mario Daniel Arru, Juan Antonio Azic, Ricardo Miguel Cavallo, Rodolfo Cionchi, Daniel Néstor Cuomo, Alejandro Domingo D’Agostino, Hugo Enrique Damario, Francisco Di Paola, Adolfo Miguel Donda, Miguel Ángel García Velasco, Pablo Eduardo García Velasco, Alberto E. González, Orlando González e Rogelio José Martínez Pizarro. Outros 19 receberam condenações de oito a 25 anos.

Este julgamento da ESMA III foi o processo mais prolongado na história do sistema penal argentino, o debate oral e público durou cinco anos com 410 audiências, tempo em que faleceram 11 dos 65 originalmente acusados e três foram afastados por razões de saúde.

O primeiro julgamento não chegou ao fim devido a que o único acusado, Héctor Febres, morreu antes de ser proferida a sentença, em 2007, e o segundo concluiu-se m 26 de Outubro de 2011 com 16 condenações a prisão perpétua, penas entre 18 e 25 anos e duas absolvições.

Houve dor entre os sobreviventes por aqueles companheiros que viram o início do julgamento, mas morreram por causas diversas antes da sua conclusão. Ainda assim a decisão do tribunal superou as expectativas de boa parte dos familiares e dos sobreviventes. Morreram também sem verem este momento histórico Mães e Avós da Plaza de Mayo, e hoje eram recordadas por entre a alegria em tempos em que se vive um retrocesso na justiça e nos direitos humanos. Havia temor de que declarações do governo de Mauricio Macri e de vários funcionários influenciassem os juízes.

O julgamento de ESMA III iniciou-se em 2012 e foram analisados 789 delitos de lesa humanidade, entre eles vários casos referidos aos denominados voos da morte.

É a primeira vez que a justiça de um Estado processa uma causa de tal magnitude e duração por crimes de lesa humanidade, uma vez que para analisar casos como os genocídios do Ruanda e a ex. Jugoslávia se constituíram tribunais internacionais, assinalou Alejandra Dandán, a jornalista de Página 12 que acompanhou praticamente todos os julgamentos.

Numa recente falha, a Sala I da Câmara de Casación retirou a acusação a oito ex. polícias federais por crimes de lesa humanidade cometidos entre 1976 e 1977, com o argumento de que poderiam não saber que integravam uma estrutura empenhada em repressão ilegal.

Neste julgamento ficou provado o uso de aviões Skywan nos voos da morte, e que em 14 de Dezembro de 1977 se realizou el voo do qual foram lançadas ao mar, estando vivas e drogadas, as freiras francesas Alice Domon e Leonie Duquet, e as fundadoras de Madres de Plaza de Mayo, Azucena Villaflor, Esther Ballestrino de Careaga e Mary Ponce de Bianco.

Durante o governo do ex. presidente Néstor Kirchner (2003-2007) a ESMA foi recuperada para os organismos de direitos humanos transformou-se num lugar de Memoria, além de serem preservados vários dos seus locais, especialmente o que foi o Casino de Oficiais, onde funcionou a mais terrível estrutura desse centro onde dezenas de detidos morreram torturados. 

Também o caso de Dajmar Hagelin, uma jovem sueca que ia visitar uma amiga que pertencia a uma organização política revolucionaria, que foi assassinada por Astiz e cujo corpo foi feito desaparecer. Ninguém esquece que foi Astiz quem se infiltrou entre as Mães, quando em 1977 davam os primeiros passos na luta por seus filhos, e as entregou beijando-as uma a uma na igreja de Santa Cruz, de onde as levaram para lhes dar desaparecimento.

Este foi um dia muito complicado, dado que além do mais o governo aumentou as pressões sobre o juiz que investiga o assassínio do jovem mapuche Rafael Nahuel, em Río Negro, e criticou a sua forma de dialogar com a comunidade indígena.

O que transpirou da intervenção de Macri é muito grave, porque disse além disso que os prefeitos não deveriam ter tentado comunicar para pedir autorização antes de abrir fogo com balas de chumbo: deveriam tê-lo feito sem consultar. Até agora existia tanta suspeita em relação às forças de segurança como em relação aos delinquentes. Necessitamos de eliminar esse traço cultural, assegurou o presidente.

Reclamou: há que regressar à época em que dar a voz de alto significava que se entregar. Mais grave ainda foi ficar-se a saber que o Ministério de Segurança emitiu uma resolução que permite às forças federais ignorar as ordens dos juízes quando considerem que não são legais. Para os organismos de direitos humanos isto constitui uma forma de retorno ao terrorismo de Estado.

Com uma multitudinária marcha que congregou umas 300 mil pessoas frente ao Congresso Nacional as principais centrais sindicais rejeitaram a reforma laboral, orçamental e tributaria que o governo de Macri impulsiona, e propuseram ampliar a unidade para lutar contra o forte ajustamento que o governo tenta e a nova vaga de despedimentos que anuncia.

Na manhã desta quarta-feira prestou juramento como senadora, com outros 23, a ex. presidente Cristina Fernández de Kirchner, ao mesmo tempo que continua a busca desesperada do submarino ARA San Juan, e o porta-voz da Armada, Enrique Balbi, negou que tenha sido hoje localizado, como asseguraram alguns meios de comunicação.

(*) Correspondente do Jornal La Jornada

http://www.jornada.unam.mx/2017/11/30/mundo/028n1mun

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