Astrojildo Pereira (*)
Bem difícil, sem dúvida, é precisar o curso dos atuais acontecimentos na Rússia. Aliás, seria rematada tolice pretender firmar tais ou quais traços definitivos do grande movimento que deu por terra, abruptamente, com a casta dos Romanov, e com ela, de cambulhada, todas as demais castas aristocráticas e monopolizadoras das riquezas e do poder.
Movimento de tal magnitude e complexidade, revolvido por mil correntes diversas, há de por força manifestar-se confuso e contraditório, com altos e baixos, com claros e escuros violentos. Impossível, pois, determinar em linhas inflexíveis os traços essenciais dos fatos revolucionários e suas consequências.
O que não quer dizer que, em meio do cipoal dos telegramas e correspondências e de outros documentos mais raros, não se possa fazer uma ideia mais ou menos aproximada do grande drama político – grande por si mesmo e ainda maior pelas suas consequências – da orientação que o tem guiado e das tendências que o caracterizam.
Os dois núcleos orientadores do movimento, a Duma e o Comitê de Operários e Soldados – este surgido da própria Revolução –, logo tomaram posições antagônicas, terminado o primeiro golpe demolidor. A Duma, vinda do antigo regime, pode-se dizer que representa, em maioria, a burguesia moderada e democrática, ao passo que o Comitê de Operários e Soldados, composto de operários, representa o proletariado avançado, democrata, socialista e anarquista.
A Duma deu o governo provisório e o primeiro ministério; o Comitê de Operários e Soldados derrubou o primeiro ministro, influiu poderosamente na formação do segundo e tem anulado quase por completo, senão de todo, a ação da Duma.
Insignificante, sem nenhum peso, ao menos até agora, o elemento reacionário e aristocrático, a situação russa tem de obedecer, na sua luta pela estabilização pública, às duas forças principais enfeixadas pelo proletariado socialista e anarquista e pela burguesia democrática e republicana. A qual das duas forças está destinada a preponderância na reorganização da vida russa? O que se pode afirmar com certeza é que essa preponderância tem cabido, até agora, ao proletariado.
E como o proletariado, cuja capacidade política já anulou o papel da Duma burguesa, está também com as armas na mão, não encontrando, pois, resistência séria aos desígnios, não muito longe da certeza andará quem prever a sua contínua preponderância, até a completa absorção de todos os campos da vida nacional, extinguindo-se, de tal modo num prazo mais ou menos largo, a divisão do povo em castas diversas e inimigas.
E inútil é insistir na influência que tais acontecimentos exercerão no resto do mundo, na obra de reconstrução dos povos, cujos alicerces estão sendo abalados pelo fragor inaudito dos grandes canhões destruidores…
(*) Astrojildo Pereira é um dos fundadores do PCB e seu primeiro secretário geral.Blog da Boitempo disponibiliza um artigo clássico de Astrojildo , recuperado para a edição especial da revista Margem Esquerda, um volume inteiramente dedicado ao centenário da Revolução Russa.
Escrito no calor da hora, texto foi e publicado no primeiro número periódico carioca O Debate, de julho de 1917. No ano seguinte, o jovem jornalista anarcossindicalista seria preso por participar da frustrada insurreição anarquista de 1918, sendo libertado em 1919. É sob o impacto mundial da experiência revolucionária russa que começava a se desdobrar que Astrojildo eventualmente adere ao comunismo, chegando a fundar, em 1921 o Grupo Comunista do Rio de Janeiro e, no ano seguinte, o Partido Comunista do Brasil.
(Com Prestes a Ressurgir)
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